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quinta-feira, 26 de setembro de 2013

Parecer sobre psicólogos na escola

Olá Alunos: Temos boas novas. Vamos participar desse movimento:
PSICÓLOGOS(AS) NA EDUCAÇÃO
Relator do PL na CCJ tem parecer positivo

Um importante passo para a tramitação do projeto de lei 3688/2000, que prevê a inserção de profissionais de Psicologia e da Assistência Social na Educação Básica, foi dado nesta quarta, 18 de setembro. O deputado Fábio Trad (PMDB/MS), relator do Projeto na Comissão de Constituição e Justiça da Câmara (CCJ), manifestou parecer favorável ao projeto durante reunião com representantes do Conselho Federal de Psicologia (CFP) e Conselho Federal de Assistência Social (CFESS). Segundo ele, a aprovação do PL será positiva já que psicólogos (as) e assistentes sociais podem contribuir com o ambiente escolar e reduzir problemas recorrentes de violência.

A intenção, com o projeto, é que os profissionais façam parte de uma equipe multidisciplinar para criar propostas que melhorem a educação nas escolas. A entrada dos (as) profissionais é prevista também nas secretarias de educação dos estados e municípios. Durante o encontro, o deputado informou que algumas das secretarias estaduais se manifestaram contra o PL por entenderem que seriam obrigadas a contratar os profissionais para cada escola, o que geraria custos altos. Segundo o grupo, apesar do aumento nos gastos, haverá economia a longo prazo em outras áreas por conta do maior investimento no sistema de ensino e em seus profissionais.

O parecer do deputado Fábio Trad concorda com as alterações da Comissão de Educação. A única discordância do deputado foi relativa à retirada da expressão "da escola" do art. 2º do Substitutivo, por entender que se trata de alteração de mérito, que não cabe mais na tramitação da matéria.

Para a presidente do CFESS, Samya Ramos, o parecer do relator demonstra que o PL poderá significar avanços não só para as categorias envolvidas, mas principalmente para estudantes da rede pública e para a política de educação. "Nesse sentido, assistentes sociais e psicólogos (as) de todo o país devem continuar se mobilizando para aprovação deste projeto. Vamos lotar as reuniões da CCJC e, posteriormente, do plenário da Câmara", destacou a presidente do CFESS Sâmya Ramos.

Segundo o conselheiro do CFP, Celso Tondin, a próxima etapa será conversar com o presidente da CCJ, o deputado Décio Lima (PT-SC), para articular a entrada em pauta desta matéria na Comissão o mais breve possível. "Caso o projeto passe, a atuação do (a) profissional se dará por meio de estratégias participativas, envolvendo estudantes, professores (as), famílias e comunidade, superando a noção das práticas clínicas que culpabilizam os indivíduos", afirmou Tondin.

Tramitação
O projeto de lei foi apresentado em 2000, na Câmara dos Deputados. Tramitou na Casa até 2007, quando foi aprovado e encaminhado ao Senado Federal. Naquele ano, o projeto recebeu o texto substitutivo elaborado pelo Conselho Federal de Psicologia (CFP) e entidades parceiras. A proposta foi acatada pelo então senador e relator do PL na Comissão de Assuntos Sociais do Senado (CAS), o atual secretário da Educação do Paraná, Flávio Arns. 

Após aprovação no Senado, o projeto voltou para a Câmara, sendo aprovado por unanimidade na Comissão de Seguridade Social e Família (CSSF), em abril de 2012. A matéria foi aprovada em julho deste ano na Comissão de Educação e Cultura da Casa, com relatoria da deputada Keiko Ota. Agora o PL será apreciado pela Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania. Na sequencia, irá para o Plenário da Casa, depois para a sanção da presidenta Dilma Rousseff.

Confira a íntegra do parecer do deputado Fábio Trad, relator do PL:http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra?codteor=1137009&filename=Tramitacao-PRL+2+CCJC+%3D%3E+PL+3688/2000

segunda-feira, 9 de setembro de 2013

Dificuldades de aprendizagem e o papel da Familia

Olá Alunos. 

 Como aspecto importante do nosso curso, as dificuldades de aprendizagem precisam ser estudadas a fundo. Sabemos que muitas vezes o problema de aprendizagem é focado equivocadamente apenas no aluno, porem, como discutimos na ultima supervisão,o aluno muitas vezes é culpabilizado pelo problema, quando na verdade a dificuldade é o resultado de vários aspectos como, família, escola, professores, métodos inadequados,  problemas emocionais, distúrbios mais sérios e etc.
Hoje gostaria que lessem o texto de  Salvari e Dias, na revista Estudos de Psicologia de Campinas, que trata do tema: Dificuldades de Aprendizagem e Família. 
Após a leitura, faremos nossa aula e discussão. Boa Leitura

Estudos de Psicologia (Campinas)

Print version ISSN 0103-166X

Estud. psicol. (Campinas) vol.23 no.3 Campinas July/Sept. 2006

http://dx.doi.org/10.1590/S0103-166X2006000300004 

ARTIGOS

Os problemas de aprendizagem e o papel da família: uma análise a partir da clínica1

Learning problems and the family role: an analysis based on the clinical practice


Lúcia de Fátima Carvalho SalvariI;Cristina Maria de Souza Brito DiasII
IProfessora, Pós-Graduação em Psicologia e Educação, Faculdade Frassinette do Recife. Av. Conde da Boa Vista, 921, Boa Vista, 50060-002, Recife, PE, Brasil. Correspondência para/Correspondence to: L.F.C. SALVARI. E-mail: <lsalvari@uol.com.brIIProfessora Doutora, Universidade Católica de Pernambuco. Recife, PE, Brasil



RESUMO
Esta pesquisa teve por objetivo investigar como psicólogos e pedagogos que atuam em psicopedagogia na clínica compreendem os problemas de aprendizagem em crianças e como vêem o papel da família, especialmente dos pais, nos referidos problemas. Foi utilizado um método qualitativo, tendo como instrumento um roteiro semi-estruturado, utilizado em uma entrevista individual, realizada com três psicólogas e com três pedagogas. Dentre as principais fontes de problemas de aprendizagem, as participantes apontaram a grande dependência da criança em relação à mãe, a participação periférica do pai no processo de aprendizagem escolar dos filhos e a tendência atual dos pais em delegar aos educadores e psicólogos os cuidados com esse processo. Assim, consideramos que os conhecimentos sobre as formas de funcionamento da família contemporânea, em cada etapa de seu ciclo de vida, podem contribuir para o acompanhamento terapêutico da criança e do grupo familiar.
Palavras-chave: aprendizagem; família; pedagogos; psicólogos.

ABSTRACT
This research aimed to investigate how psychologists and educators, acting at consulting office, understand children's learning problems and the family role, particularly the parents'. A qualitative methodology was used, based on a semi- structured protocol and individualized interviews with three psychologists and three educators. For the participants, among sources for children learning problems, they pointed out: a) childrens large dependence in relation to their mothers and fathers' peripheral participation on the school learning process, and b) the current parents' trend in delegating to the educators and psychologists the responsibility of children learning process. Therefore, we think the knowledge about the contemporary family functioning, in each life cycle stage , can contribute to the child and the family group's therapeutic accompaniment.
Key words: learning; family; educators; psychologists.



Tem crescido, nas últimas décadas do século XX e início deste século, o interesse por uma interlocução entre a Educação, a Psicologia Clínica e a Psicanálise, a partir dos estudos acerca das inter-relações, na construção das aprendizagens, entre a razão e os afetos, a cognição e o desejo de conhecer.
Ao mesmo tempo, observamos uma crescente demanda de atendimentos clínicos a crianças e adolescentes com queixas na aprendizagem escolar no Brasil, os quais trazem consigo uma angústia: a ameaça de fracasso escolar. Tudo isso se torna mais evidente quando se trata de jovens que, teoricamente, têm todas as condições cognitivas e pedagógicas para aprender, mas, mesmo assim, muitas vezes, fracassam nas suas tentativas. Nossa escuta nos leva a pensar que, como sintoma, esse não aprender resistente pode estar traduzindo conflitos intrapsíquicos construídos nas relações intersubjetivas, particularmente dentro da dinâmica familiar contemporânea. Tal pensamento é corroborado por diversos autores da Psicopedagogia e da Psicanálise, tais como Fernàndez (1991), Souza (1995) e Bossa (2002).
Nesta pesquisa, enfocamos, especialmente, as dificuldades na aquisição da leitura e escrita em crianças, uma vez que observamos uma intensificação das demandas para atendimento psicopedagógico na fase de alfabetização. É nesse período que os pequenos alunos se vêem convocados pela sociedade a responder a novas exigências de competência e responsabilidade, sob a forma de deveres e obrigações escolares, compartilhando, assim, os projetos de progresso social, cultural e educacional da família. Segundo Eiguer (1985, p. 42), tais projetos para o futuro compõem o chamado ideal de ego familiar, que é um dos organizadores do Eu familiar, ou seja, "é uma representação da perfectibilidade do grupo em relação a seu próprio destino".
Para tentar responder a essas demandas escolares, a criança e sua família precisam empreender um processo de elaboração subjetiva que exige de ambas um grande investimento psíquico que, nem sempre, é bem sucedido. Isso fica mais evidente quando consideramos a intensidade com que a sociedade contemporânea, herdeira da modernidade, expõe os indivíduos a novas informações e conhecimentos, cobrando-lhes, com freqüência, um desempenho pautado em um ideal imaginário de perfeição.
Bossa (2002) salienta, ainda, o fato de que a escola é, hoje, o lugar privilegiado de identificação das "anormalidades" infantis no seio da sociedade e que os especialistas em terapêuticas educativas, muitas vezes, acabam alimentando as exigências de perfeição com promessas de reparação dos "fracassos" na criança e na família. Como diz Cordié (1996, p.24), há uma "pressão social que se exerce sobre todos e que gera, muitas vezes, uma angústia surda que a criança tem dificuldade em identificar".
Colello (2001), por sua vez, alerta para o que denomina "ótica psicopedagógica restrita". Segundo a autora, essa é uma visão ainda muito presente nas escolas, levando os psicólogos e orientadores educacionais a centrarem no aluno toda a responsabilidade pelo fracasso na aprendizagem e a buscarem, apenas nele, as possibilidades de superação do problema. Do ponto de vista clínico, nesses casos, os atendimentos se mantêm alheios às dinâmicas de sala de aula e ao projeto de ensino da escola.
De acordo com Souza (1995), ao longo da constituição e do desenvolvimento psíquico da criança, ela vai construindo uma atitude diante da possibilidade de conhecimento, a qual se estabelece a partir da forma como também é vivida, dentro da família, a relação com o conhecimento. Por essa razão, conhecer "não se refere somente à realidade objetiva, mas, e talvez principalmente, à realidade subjetiva" (Souza, 1995, p.49). A existência na família de "verdades" religiosas, sociais ou culturais incontestáveis assim como a presença de medos e segredos não explicitados podem, portanto, prejudicar a capacidade da criança de pensar livremente.
Para Pincus e Dare (1987), o sucesso da criança ao enfrentar as difíceis tarefas subjetivas ao longo do seu desenvolvimento depende, em grande parte, das condições psicológicas que os pais lhe oferecem, sem esquecer que as próprias experiências infantis dos pais, assim como a sua relação conjugal, são fatores importantes no seu processo de interação com a criança. Vemos, desde modo, como os laços familiares são essenciais para a estruturação psíquica desde os primeiros momentos de vida.
Assim, vivências narcísicas e edípicas da criança no seio da família desempenham um importante papel na organização do seu ego e nas suas possibilidades de acesso ao sentido de realidade, intervindo, inclusive, no desenvolvimento da inteligência (Barone, 1996).
Nesse sentido, Barone (1996) enfatiza que os problemas na aprendizagem podem estar relacionados a conflitos em tais vivências, quando precariamente elaborados, impedindo a criança de lidar com determinados aspectos inerentes a todo o aprender, tais como reconhecer o seu não saber, muitas vezes expresso pelos erros que comete; colocar-se em posição de autonomia e autoria em relação às suas aprendizagens; suportar que outro saiba mais do que ela e que seu conhecimento é sempre parcial.
Por isso, Salvari (2003) afirma não ser possível supor o desenvolvimento das estruturas cognitivas, necessárias à inteligência, como um processo à parte do psíquico. Acrescenta, ainda, a autora:
Quando falamos nas questões psicodinâmicas que envolvem o processo de aprendizagem, estamos nos referindo ao psiquismo como uma trama de afetos cuja dinâmica inconsciente modela e constitui o indivíduo como um sujeito capaz de pensar e desejar (Salvari, 2003, p.54).
Para Fernàndez (1991), a família que apresenta um membro com problemas de aprendizagem muito freqüentemente funciona como um bloco indissociado, em que qualquer tentativa de diferenciar-se pode ir de encontro ao mandado familiar de anulação da diferença. Nesse caso, pensar com autonomia, de forma singular e criativa, pode ser tão ameaçador como se implicasse rechaçar, excluir e perder o outro. Por isso, a autora propõe a presença da família no diagnóstico de problemas de aprendizagem em crianças, o que permite observar mais rapidamente a existência de "significações sintomáticas localizadas em vínculos em relação ao aprender" (Fernàndez, 1991, p.92).
Em uma linha de pensamento semelhante, Pain (1992) propõe que, no processo diagnóstico, o psicólogo busque analisar o significado do sintoma da criança na família e para a família, uma vez que, comumente, o problema da criança é emergente do problema do grupo primário ao qual pertence. Além disso, destaca que a independência proporcionada pela aquisição de conhecimentos pode ter para a criança um significado de perda de atenção e de assistência dos pais, inibindo os seus progressos.
Para Gomes (1998), a prática clínica na qual a criança é desvinculada do papel de "doente" da família e os pais passam a ser o foco e os destinatários do tratamento costuma ser mais difícil. Isso porque "a criança não é mais a única paciente e os pais, especialmente, necessitam ser ouvidos" (Gomes, 1998, p.80). Desse modo, a história do casal torna-se primordial para entender o sintoma do filho e como eles estruturaram sua dinâmica familiar. Mas a autora esclarece que o casal precisará ser "preparado" para mudar o foco, da criança para eles próprios, na tentativa de resolução do problema.
Já a proposta clínica de Weiss (1994) para os casos de fracasso escolar leva em consideração, no diagnóstico, os aspectos orgânicos, cognitivos, emocionais, sociais e pedagógicos que cercam o problema de aprendizagem apresentado. Nas suas palavras, "a interligação desses aspectos ajudará a construir uma visão gestáltica da pluricausalidade desse fenômeno, possibilitando uma abordagem global do sujeito em suas múltiplas facetas" (Weiss, 1994, p.8). Assim, para proceder ao diagnóstico psicopedagógico, o profissional deve trabalhar com dois grandes eixos: horizontal, a-histórico - que busca uma visão do presente, do "aqui e agora" - e vertical, histórico, que traça uma visão do passado, da construção do sujeito.
Em uma pesquisa realizada com professores de alfabetização de escolas públicas e privadas do Rio Grande do Sul sobre problemas de aprendizagem da leitura e escrita, Marquezan e Souza (2000) apresentam resultados que podem trazer reflexões adicionais a respeito dos problemas de aprendizagem e suas causas. Sete dos oito professores entrevistados pelas pesquisadoras atribuíram à família a responsabilidade pelas dificuldades dos alunos na alfabetização. Ao serem inquiridos quanto a quem recorrem quando surgem essas dificuldades, apenas 16% das respostas indicaram o orientador educacional ou o psicólogo escolar, enquanto 29% das respostas apontaram a própria família. Os autores argumentam que, aparentemente, ao responsabilizarem a família pelos problemas de aprendizagem, os professores logo a procuram a fim de buscar soluções e, em seguida, fazem os encaminhamentos ao psicopedagogo para tratamento clínico. Não há, portanto, nenhuma alusão dos professores ao papel da própria escola nas dificuldades da criança, ficando os orientadores e psicólogos distantes do professor na busca de causas mais amplas para o problema e de soluções que envolvam também a instituição educacional.
Nesse mesmo sentido, Kupfer (2001) afirma que escutar um problema de aprendizagem como um sintoma do sujeito, desarticulado do discurso social escolar, pode conduzir ao fracasso da ação clínica. Para a autora, em conseqüência da aproximação entre a clínica psicanalítica e a educação, o profissional da clínica ampliará seu campo de ação, incluindo a instituição escolar como lugar de escuta, ao passo que o educador "no mínimo deixará de fazer tantos encaminhamentos aos psicólogos e, no máximo, tomará para si, em outra medida, a responsabilidade por seus atos educativos" (Kupfer, 2001, p.34).
A fim de estudar as diversas questões que envolvem os problemas de aprendizagem e a prática terapêutica em torno deles, optamos por enfocar as dificuldades da criança na aquisição da leitura e escrita, como já explicitamos anteriormente, e realizamos entrevistas semi-estruturadas com psicólogas e pedagogas que atuam em psicopedagogia na clínica.
Nosso objetivo geral foi investigar como os profissionais dessas áreas compreendem tais problemas de aprendizagem em crianças e como vêem o papel da família, especialmente dos pais. Para isso, buscamos, mais especificamente, caracterizar os indicadores para a intervenção clínica nos problemas de aprendizagem, identificar as principais queixas trazidas aos consultórios dos profissionais em relação à leitura e escrita das crianças e as causas atribuídas a elas, além de descrever os procedimentos utilizados com a criança e com a família para o diagnóstico e tratamento psicopedagógicos.

Método
Participantes
Participaram da pesquisa três psicólogas clínicas e três pedagogas. Para o profissional participar da pesquisa, era necessário ter formação clínica em Psicopedagogia e atuar há, pelo menos, três anos no tratamento de crianças com problemas de aprendizagem. Esse critério de tempo de atuação em Psicopedagogia visou escolher participantes com uma maior experiência clínica. Além disso, procuramos entrevistar profissionais tanto da Psicologia como da Pedagogia devido à preocupação em não restringir nossa investigação a profissionais de uma única formação acadêmica. Com isso, poderíamos obter reflexões teórico-práticas mais abrangentes. A escolha dos profissionais foi feita a partir de uma lista de nomes sugeridos pela coordenação de um curso de formação em Psicopedagogia e por psicólogos e coordenadores pedagógicos de algumas escolas particulares da cidade do Recife.
Apesar de todos os participantes serem do sexo feminino, salientamos que o critério de sexo não fez parte de nossos direcionamentos metodológicos.
Instrumento
Como instrumento de coleta de dados, utilizamos um roteiro semi-estruturado, aplicado em entrevista individual com as participantes. Nesse roteiro, inicialmente, constaram as perguntas acerca dos dados sociodemográficos das entrevistadas e, em seguida, onze questões relacionadas aos objetivos da pesquisa, as quais foram distribuídas em dois blocos de pergunta. O primeiro, composto por quatro perguntas, buscou caracterizar os problemas de aprendizagem na visão clínica dos participantes. Já o segundo bloco, constituído de sete perguntas, procurou caracterizar os procedimentos de atendimento clínico a crianças com problemas de aprendizagem de leitura e escrita.
Procedimentos
Antes da coleta de dados, cada uma das participantes foi contatada para que pudéssemos lhe explicar a natureza desta pesquisa, seu objetivo e método. Esclarecemos, nesse momento, que o conteúdo integral da entrevista estaria à disposição, e que não haveria identificação nominal da participante ao longo do trabalho. Após o consentimento, marcamos, então, o encontro para a realização da entrevista, em dia e local de sua conveniência, enfatizando que as crianças em torno das quais seriam abordadas as questões relativas aos problemas de aprendizagem deveriam fazer parte do seu universo de atendimento clínico. Todas as participantes assinaram um "termo de consentimento livre e esclarecido", o qual dispôs sobre os pontos acima especificados e permitiu a utilização dos dados para fins de pesquisa.
Com exceção da sexta entrevistada, que optou por realizar a entrevista em uma sala reservada da escola em que também trabalha, todas as demais participantes foram entrevistadas em seu consultório particular. As entrevistas foram realizadas individualmente e gravadas em fita cassete para posterior transcrição.
Após a transcrição das entrevistas, procedemos à sua análise, enfocando os pontos mais relevantes relacionados aos objetivos específicos da pesquisa, isto é: os indicadores para a intervenção clínica nos problemas de aprendizagem; as principais queixas em relação à leitura e à escrita das crianças e as causas atribuídas a elas; os procedimentos diagnósticos e terapêuticos com a criança e a participação da família em tais procedimentos. Os dados obtidos foram discutidos a partir do embasamento teórico estudado, que se fundamentou, principalmente, em estudiosos da Psicopedagogia e da Psicanálise.
Lembramos, ainda, que não tivemos o objetivo de generalizar os resultados de nossa pesquisa, uma vez que ela possui uma natureza qualitativa. Por outro lado, isto não nos impediu de tecer algumas considerações finais em relação a importantes questões observadas no conteúdo das entrevistas, que podem contribuir para o trabalho terapêutico com crianças que apresentam problemas de aprendizagem e com suas famílias.

Resultados e Discussão
Observamos três tipos de referencial, citados pelas participantes, como diretrizes para a decisão acerca da necessidade de tratamento psicopedagógico: referencial escolar, psicopedagógico e psicodinâmico.
O referencial escolar refere-se àquele utilizado pelas participantes tendo por base os resultados obtidos pela criança nas suas produções pedagógicas. O tratamento, portanto, seria necessário sempre que a criança não produzisse o esperado do ponto de vista escolar e as intervenções da escola, junto à criança e à família, também não conseguissem modificar a qualidade dessas produções, como explicou a primeira entrevistada: "... a partir do momento que o trabalho pedagógico, em si, não está dando conta, não está podendo ajudar a criança... mesmo com o empenho da família, aí a criança deve ser tratada no espaço clínico".
Esse referencial foi citado pela maioria das entrevistadas, isoladamente ou em conjunto com outros. Isso parece confirmar o pensamento de Bossa (2002) de que a escola, na atualidade, apresenta-se como o principal espaço social para a identificação das "anormalidades" infantis, mesmo que sob o risco de ancorar-se em uma concepção de criança ideal, construída ao longo da modernidade. Assim, a criança pode estar resistindo, com o seu sintoma, à excessiva normatização da escola, enquanto essa fracassa nas suas tentativas pedagógicas de remover o problema de aprendizagem, apelando, muitas vezes, aos especialistas em terapêuticas educativas na esperança de ver o fracasso reparado. A esse respeito, a segunda entrevistada comentou: "A escola quer uma resposta; é uma instituição que não tem muita paciência, não trabalha com o processo".
Já no referencial psicopedagógico, o que determinaria a necessidade ou não de uma intervenção terapêutica sobre os problemas de aprendizagem seria a avaliação psicopedagógica realizada pelo profissional em consultório. Assim, mesmo existindo uma queixa escolar relativa à aprendizagem, seria o diagnóstico clínico-psicopedagógico que determinaria, de fato, a necessidade de um tratamento, pois, como afirmou a terceira entrevistada, em certos casos, "alguns estímulos, algumas orientações à escola e à família são suficientes para que o problema possa ser resolvido", sem que seja preciso um acompanhamento terapêutico.
É interessante observar que tanto o referencial escolar como o psicopedagógico são externos à criança. Quer dizer, referem-se ao modo como ela atende ao que lhe é proposto pelo meio social, em termos de aprendizagem, seja esse meio constituído pelo espaço escolar ou pelo espaço clínico-psicopedagógico.
O referencial psicodinâmico foi citado por todas as psicólogas, seja de forma isolada, seja em conjunto com o referencial escolar. Nesse caso, a indicação de tratamento psicopedagógico é feita a partir da identificação de sentimentos de angústia e desprazer na criança relacionados à aprendizagem, os quais, segundo as entrevistadas, podem indicar conflitos psicodinâmicos propiciadores de problemas nessa área. A quinta entrevistada explicou dessa forma a questão: "Quando o sintoma já se tornou uma angústia, uma ansiedade grande, tanto na vida escolar como na história dessa família, e isso já chegou aos muros da escola, então há necessidade de uma intervenção clínica eficaz". Ainda a esse respeito, Kupfer (2001) alerta que, para além da dimensão fenomênica do sintoma, expresso por um sofrimento por parte da criança, há a dimensão inconsciente, na qual transcorrem os conflitos que originam o sintoma e movem os afetos a eles atrelados.
Principais queixas trazidas ao consultório
As entrevistadas citaram três tipos de queixas acerca da aprendizagem da leitura e da escrita: queixas cognitivas, pedagógicas e de ordem afetiva e relacional.
As queixas cognitivas dizem respeito às dificuldades relativas à habilidade da criança em determinadas funções, consideradas importantes para que ela possa aprender a ler e a escrever, como memória, atenção, concentração, percepção auditiva e visual, compreensão verbal, entre outras.
As queixas pedagógicas são relativas a entraves no desempenho da criança nas tarefas e avaliações escolares, envolvendo a leitura e a escrita, podendo ser consideradas como uma conseqüência das dificuldades cognitivas apresentadas pela criança.
Já as queixas afetivas e relacionais, embora aparentemente não se refiram à leitura e à escrita, são identificadas pelas participantes como intimamente relacionadas aos problemas de aprendizagem. Dentre essas queixas, as entrevistadas destacaram: a recusa ou esquiva aos estudos por parte da criança, demonstrada por choros e gritos durante a execução das tarefas; a falta de limites e regras na família, dificultando a capacidade da criança para lidar com o erro e a frustração no processo de aprendizagem; a pouca autonomia para pensar e realizar tarefas, além da baixa auto-estima.
Notamos, assim, que, na visão das participantes desta pesquisa e de autores como Souza (1995), Barone (1996) e Bossa (2002), para que a criança aprenda sem maiores dificuldades é preciso que apresente também condições subjetivas.
Causas atribuídas aos problemas de aprendizagem
O papel da família no desenvolvimento e aprendizagem da criança fica mais evidente quando analisamos as causas para a ocorrência das dificuldades em aprender a ler e a escrever. Todas as entrevistadas citaram aspectos psicodinâmicos da família como possíveis dificultadores da aprendizagem da criança. Dentre eles, salientamos a intensa dependência afetiva da criança em relação à mãe, aliada à pouca intervenção e intermediação do pai.
Para as participantes, esse tipo de situação gera problemas para a resolução de alguns conflitos próprios da fase edípica do desenvolvimento da criança, além de dificultar a sua capacidade para lidar com os limites e a frustração de modo mais autônomo. Sobre isso, nossa primeira entrevistada afirmou que "é como se a libido não estivesse disponível para fazer outros investimentos nos estudos". Para as entrevistadas, a dependência materna evidencia-se nas questões relativas à aprendizagem porque as mães continuam, ainda hoje, assumindo grande parte do papel cultural de lidar com a educação dos filhos. A segunda entrevistada exemplificou esse ponto da seguinte maneira: "Assim, as mães exigem muito dos filhos porque são delegadas a esse lugar, assumem esse papel, ficam desesperadas quando a criança não responde, porque tudo está nas suas costas. Assim os pais só cobram, quando cobram!". Acerca dessa questão, Souza (1995) acrescenta, ainda, que o processo de diferenciação entre mãe e filho depende também da capacidade do pai de assumir o seu papel de terceiro na relação entre mãe e filho, oferecendo um modelo de contato substitutivo a esse filho. É a partir daí que a criança descobrirá outros objetos de investimento subjetivo, inseridos na cultura, como, por exemplo, os conhecimentos compartilhados socialmente.
Também foram ressaltados, em algumas entrevistas, determinados aspectos socioculturais que podem intervir na dinâmica familiar e transformar-se em causas para as dificuldades de aprendizagem, como, por exemplo, as pressões sociais por melhor desempenho escolar da criança e por maior eficiência dos pais na educação dos filhos. Diante dessas pressões, as participantes disseram que, muitas vezes, a criança mostra-se pouco madura para lidar com as intensas demandas de aprendizagem que lhe chegam, como já foi ressaltado anteriormente. Uma das entrevistadas ilustrou essa questão com a seguinte afirmativa: "Há um nível de exigência cultural enorme... quando a criança chega à alfabetização, se não consegue, há uma ameaça para a família... há uma ameaça no seu papel enquanto pai e mãe" (Entrevista n. 2).
Outro ponto destacado pelas profissionais dentre as causas para os problemas de aprendizagem na fase de alfabetização refere-se às dificuldades em alguns aspectos do próprio desenvolvimento da criança, especialmente os aspectos orgânicos, cognitivos e psicodinâmicos.
Por fim, as participantes citaram aspectos da interação entre a escola, a criança e a família como possíveis fontes de problemas para a aprendizagem. Assim, a quarta entrevistada destacou a troca constante de escola e a falta de sintonia entre os valores da família e da escola: "Às vezes, na família, a criança tem um convívio mais aberto, mas estuda numa escola tradicional, então há um choque". Já a quinta entrevistada chamou a atenção para a relação entre professor e aluno: "A partir do momento em que essa relação, esse vínculo afetivo, não se constitui de uma forma saudável, vai influenciar certamente com um peso grande na construção das dificuldades de aprendizagem".
Em geral, as participantes afirmaram, ainda, que a aprendizagem não pode ser uma tarefa exclusiva da escola ou do profissional que atende a criança na clínica; os pais precisam participar, acompanhando e estimulando o processo da criança. De acordo com a sexta entrevistada: "A pouca estimulação da família em relação à leitura, à valorização disso, é uma grande dificuldade que as crianças acabam encontrando". Já a quinta entrevistada destacou que "os pais precisam compreender o papel e a função de cada membro na dinâmica familiar, entendendo por que aquele filho foi o 'escolhido' para 'sintomatizar' na aprendizagem. Aí, sim, eles vão, junto comigo, contribuir para que a criança saia desse lugar de não aprender".
Vemos, assim, que, de modo geral, as entrevistadas apontaram fatores para a não aprendizagem que se aproximam daqueles propostos por Pain (1992) e Weiss (1994), isto é, fatores internos e externos ao sujeito e sua família.
Diagnóstico psicopedagógico
Quanto ao diagnóstico dos problemas de aprendizagem da leitura e da escrita, todas as participantes indicaram a necessidade de analisar alguns dos fatores descritos no tópico anterior. Assim, realizam uma análise das condições cognitivas, pedagógicas e psicodinâmicas da criança para com a aprendizagem. Além disso, citaram a importância de, eventualmente, investigar aspectos orgânicos, como as condições auditivas e visuais da criança. Algumas, como a quarta e a quinta entrevistadas, destacaram, igualmente, a investigação da dinâmica da criança na escola, particularmente sua relação com os professores, como parte do processo diagnóstico. Dentre os recursos técnicos para a investigação dos problemas de aprendizagem, as entrevistadas afirmaram utilizar, em geral, atividades lúdicas e pedagógicas, além de testes e exames cognitivos e projetivos, se necessários.
Um dado a destacar é que a investigação das condições cognitivas e pedagógicas da criança para a aprendizagem foi o que mais se destacou na descrição dos procedimentos diagnósticos. Embora todas as participantes tenham indicado os aspectos psicodinâmicos da criança e da família como possíveis causas da não aprendizagem durante a alfabetização, a análise de tais aspectos não foi um ponto enfatizado, inicialmente, pela maioria das participantes.
Apesar disso, a família participa do processo diagnóstico através de sessões que seguem, em geral, a proposta de autores como Fernàndez (1991), Pain (1992) e Weiss (1994), isto é, um primeiro encontro para escuta do motivo da consulta ou queixa; sessões de anamnese para o levantamento do histórico da criança em termos de desenvolvimento e, após os atendimentos à criança, sessões para apresentação à família das principais hipóteses diagnósticas e sugestões de encaminhamento.
Tratamento psicopedagógico
Assim como no diagnóstico, os recursos utilizados pelas participantes durante o tratamento para facilitar as intervenções psicopedagógicas em torno da leitura e da escrita são, em geral, atividades lúdicas e pedagógicas, as quais visam à estimulação cognitiva e afetiva da criança. A família,por sua vez, é acompanhada tanto por meio de sessões previamente marcadas pelas profissionais, como por solicitação dos próprios pais. Nas duas situações, geralmente, tais atendimentos ocorrem separadamente da criança. De modo geral, notamos que o objetivo desses encontros é orientar os pais para que possam favorecer as aprendizagens da criança.
Dentre os principais entraves ao tratamento psicopedagógico, as participantes destacaram a resistência dos pais em buscar ajuda profissional para o filho, o que, segundo elas, denota a dificuldade de reconhecer falhas no filho e neles próprios. Em conseqüência disso, muitas vezes, ao iniciarem o tratamento, demonstram uma intensa ansiedade por resultados rápidos, ocasionando mais estresse sobre a criança, a ponto de dificultar o processo psicopedagógico. Sobre isto, a primeira entrevistada comentou que "uma das coisas mais difíceis é lidar com a ansiedade dos pais. A escola indicou desde a pré-alfabetização, mas os pais achavam que não precisava e, quando a criança está nas últimas, os pais trazem pra cá esperando um milagre".
Talvez devido às questões acima expostas, algumas participantes destacaram a importância de realizar, nos seus atendimentos, intervenções terapêuticas com a família, para que o tratamento psicopedagógico possa alcançar melhores resultados, como afirmou a primeira entrevistada: "Quando a criança chega para o tratamento não só a psicopedagoga está implicada, é preciso toda uma dinâmica familiar reestruturada para que isso ajude também nesse processo". No entanto, outras entrevistadas - particularmente as pedagogas - revelaram uma preocupação em salientar os limites das suas intervenções sobre a dinâmica subjetiva da criança e da família, ressaltando, inclusive, que o tratamento das "causas emocionais" do problema de aprendizagem seria função do psicólogo em um processo psicoterápico e não psicopedagógico.

Considerações Finais
Percebemos que as participantes compreendem os problemas de aprendizagem como um fenômeno complexo, cujas causas envolvem aspectos socioculturais, pedagógicos, cognitivos e psicodinâmicos. As questões da dinâmica familiar, entretanto, foram apontadas, de forma unânime, como uma das principais fontes de problemas na aprendizagem, em especial no que se refere à dificuldade da criança para realizar suas atividades com maior autonomia, principalmente em relação à mãe, agravada pela pouca intervenção do pai na relação entre mãe e filho. Assim, muitas vezes, sua participação na educação e no processo de aprendizagem escolar dos filhos torna-se periférica.
Ao refletirmos sobre tais aspectos da dinâmica familiar, pareceu-nos significativo que os profissionais, em sua fala, tenham se referido, quase que exclusivamente, a um modelo tradicional e triangular de família, ou seja, composto por pai-mãe-filho, enquanto, cada vez mais, na contemporaneidade, deparamo-nos com outros modelos, especialmente as chamadas "famílias monoparentais". Por tal razão, entendemos que, nos dias atuais, o profissional na clínica não pode restringir a sua escuta a uma única forma de composição e de dinâmica familiar e, portanto, precisa estar atento às novas configurações de família, adequando os enquadramentos diagnósticos e terapêuticos de modo a facilitar a compreensão das particularidades de seu funcionamento e seus reflexos no desenvolvimento das aprendizagens da criança.
As participantes também identificaram uma tendência atual dos pais em delegar a outras pessoas - dentre elas, educadores e psicólogos - alguns cuidados necessários ao desenvolvimento cognitivo e emocional dos filhos, de maneira que, sozinhos, parecem não conseguir mais cumprir todas as suas responsabilidades na educação e no crescimento dos mesmos. Isso reflete a crescente importância que os especialistas em crianças vêm ocupando na sociedade e na família, desde a modernidade. No entanto, pensamos que os profissionais não podem esquecer que não substituem os pais na construção e na manutenção dos vínculos relacionais primários, berço de todo o desenvolvimento da criança. Por tal razão, as intervenções terapêuticas precisam estimular esses pais a refletirem sobre a dinâmica que envolve o grupo familiar, de modo a consolidar os aspectos saudáveis dos seus vínculos, mas sem subtrair-lhes a autonomia e a responsabilidade que possuem em relação ao desenvolvimento e à aprendizagem dos filhos.
Uma questão enfatizada pelas entrevistadas que gostaríamos de comentar refere-se às exigências escolares, cada vez maiores. Na opinião das participantes e de teóricos citados no decorrer deste trabalho, tais exigências traduzem ideais sociais contemporâneos, os quais se revelam, freqüentemente, inalcançáveis para as crianças. Isso termina por dificultar as aprendizagens e acentua, ainda mais, o sentimento de fracasso naquelas que não conseguem corresponder ao que é esperado delas pela escola e, algumas vezes, pela própria família.
Apesar disso, notamos que, no diagnóstico e no tratamento de crianças com problemas de aprendizagem, os profissionais entrevistados não parecem propor uma análise mais detalhada dos modelos de ensino-aprendizagem adotados pelas escolas nas quais essas crianças estudam, e sua repercussão nas dificuldades apresentadas. Permanece, assim, a dicotomia entre a saúde e a educação, a clínica e a escola, ou seja, aparentemente, educadores e profissionais da clínica ainda interrogam pouco a escola acerca de seu papel nos problemas de aprendizagem. E o que é mais preocupante: a responsabilidade pelos possíveis fracassos continua sendo, essencialmente, da própria criança e de seus pais, sendo o acompanhamento dos pais durante o desenvolvimento dos filhos, muitas vezes, percebido como insatisfatório.
Acreditamos que faça parte da ética profissional do psicopedagogo não transformar seus atendimentos clínicos em um simples espaço para corrigir os "fracassos pedagógicos" da criança e os "fracassos educacionais" dos pais, adequando-os aos ideais de produtividade da escola e da sociedade. Sabemos que essa não é uma tarefa fácil para os profissionais, já que todos - escola e família - esperam uma rápida melhora no desempenho da criança, de modo que ela possa alcançar os parâmetros estabelecidos pela sociedade.
Por isso, os psicopedagogos devem ficar atentos para o risco de privilegiarem os aspectos cognitivos e pedagógicos da aprendizagem - tanto no diagnóstico como no tratamento psicopedagógico - em detrimento da escuta clínica e da observação dos aspectos psicodinâmicos que envolvem a criança e seu grupo familiar. Tais aspectos, no nosso entendimento, encontram-se, irremediavelmente, entrelaçados ao processo de desenvolvimento cognitivo e de aprendizagem. Nesse sentido, é fundamental para o profissional conhecer os aspectos das diversas teorias que procuram investigar as formas de funcionamento da família ao longo do seu ciclo de vida, procurando incorporá-los às suas intervenções clínicas. Tais conhecimentos, caso sejam agregados à sua formação, com certeza facilitarão o acompanhamento terapêutico das famílias durante o tratamento psicopedagógico das crianças.
Por outro lado, entendemos que o trabalho psicopedagógico também deva propiciar à própria escola uma oportunidade de refletir acerca de seus projetos educacionais e de suas concepções de ensino-aprendizagem, a partir da problemática exposta pela criança. Afinal, um dos maiores desafios da escola, hoje, é trabalhar com seus alunos a construção dos conhecimentos compartilhados socialmente, sem desprezar a singularidade desse processo para cada um. Nesse sentido, ela tem um importante papel na prevenção de muitos problemas de aprendizagem, seja por meio da flexibilização de seus programas pedagógicos, procurando adequá-los às reais necessidades dos alunos, seja no acompanhamento das crianças que apresentam riscos de desenvolver problemas na aprendizagem. Para isso, tornam-se fundamentais a capacitação e o apoio psicopedagógico aos professores, além da escuta da família, de modo a facilitar reflexões entre seus membros que possam contribuir para a construção de um espaço de saúde em torno da aprendizagem.

Referências
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Recebido em: 30/8/2005 

quarta-feira, 28 de agosto de 2013

Atendimento a problemas de Aprendizagem



Atendimento a Problemas de Aprendizagem
Profa. Ana Lucia Nogueira Braz

Olá Alunos e Colegas, neste ano estamos conversando e discutindo muito sobre aprendizagem, afinal é nosso tema central, gostaria de convida-lo a refletir um pouco sobre como você e seuscolegas  estão  encarando  o estudo e a aprendizagem.  Será que sabemos estudar? Queremos aprender? Como aprender sem estudar? A aprendizagem é um processo automático? 
Vamos discutir e refletir sobre este texto. 


Aprendizagem e Estudo
Caro aluno:
Quantas vezes você já ouviu seus amigos ou você mesmo dizer?
“Preciso estudar para prova, nem sei por onde começar”
“Me matei de estudar, e me dei mal na prova, que chato”
“Passei a noite inteira estudando e na hora da prova deu branco”
“Não consigo estudar, acho que vou desistir do curso”
 “To desanimado(a) , não consigo ir bem nas provas” 
 “Não consigo estudar”
A coisa piora quando o aluno passa horas debruçado sobre os livros e, mesmo assim, não consegue melhorar sua compreensão e suas notas.
Então o que fazer?  Como estudar? Como melhorar o estudo ou rendimento acadêmico?
Nós, temos algumas dicas e informações importantes que poderão ajudar você a melhorar seu desempenho acadêmico.
Aprender envolve um processo complexo, este é muito gratificante, mas incluem; interesse, dedicação, uma dose  de esforço, técnicas de estudo, organização e força de vontade.
Mas, afinal, o que é estudar?
Apenas ir à faculdade, ir a escola ? Ficar sentado ouvindo o professor? Ler atentamente um texto ou um livro? Fazer as tarefas de casa?
Estudar é tudo isso!
É ir à escola e ouvir o professor; é participar ativamente das aulas, lendo textos e livros, fazendo as atividades de classe; é fazer as tarefas propostas para casa; é observar o ambiente, as pessoas, enfim é conhecer e participar do mundo...




Estudar exige mais do que paciência e força de vontade. Estudar requer também, muita disciplina e o domínio de algumas técnicas - às vezes simples - para que o aprendizado seja feito com a máxima eficiência e o mínimo de tempo.
Selecionamos aqui algumas informações e dicas que acreditamos que  sejam importantes para sua caminhada em direção ao conhecimento e melhoria de seu desempenho acadêmico.
1-  A primeira condição para um bom aprendizado é o INTERESSE.
Não duvide: aprendizado sem um mínimo de interesse não existe!
Torna-se esforço cansativo e muitas vezes pode-se dizer até inútil. Procure entender a importância daquilo que você esta estudando, relacione as informações recebidas com situações de sua vida ou de seu cotidiano.

2-  Aprenda o que você ama - Existe uma parte do cérebro chamada sistema de recompensa, que registra todas as sensações boas que acontecem com a pessoa. O organismo então sempre buscará experiências que proporcionem essa sensação boa. O sistema de recompensa, age quando  “se vicia” em algo, ou seja, nosso cérebro quer  sempre retornar ao bem-estar. “Se você faz ou aprende algo que te interessa muito, essa coisa faz com que seu cérebro antecipe a recompensa, e isso proporciona a ele(cérebro) as ferramentas que precisa: foco, atenção e uma descarga de dopamina, substância estimulante do sistema nervoso central Wilson ( 2008). Consequentemente haverá maior probabilidade de ocorrer o envolvimento na atividade e aprendizagem ocorrerá. A liberação de dopamina proporcionada pelo sentimento de satisfação faz com que as informações sejam consolidadas na memória. O ponto mais importante é que se nos interessarmos por alguma atividade, se gostarmos da atividade, a dedicação será maior, e a aprendizagem também.

3-  Participe da aula, preste atenção, tome nota e não tenha vergonha de fazer perguntas. Os últimos estudos dos neurocientistas, como Wilson (2008) mostram que uma pessoa capta:
- 20% do que apenas ouve;
- 30% do que apenas vê;
- 50% do que ouve e vê;
- 80% do que ouve, vê e faz.
Isso significa que, é importante utilizarmos, várias áreas do nosso cérebro quando nosso desejo é aprender. Fique atento na aula, - evite falar durante as aulas; procure estar atento e concentrado; seja um ouvinte ativo,


participe da aula, pergunte ao professor sobre suas dúvidas, discuta com ele e seus colegas seus pontos de vista.
Faça anotações. As anotações aliviam a memória e permitem a repetição da matéria a qualquer momento, além de prender atenção e criar condição para reter a matéria com mais facilidade e por mais tempo; A escrita é um poderoso instrumento para preservar o conhecimento. Tomar notas é a melhor técnica para guardar as informações obtidas em aula, em livros, em pesquisas de campo e etc.
Manter os apontamentos das aulas é fundamental. Um cuidado especial, nada de rabiscar em folhas soltas, é comum não achá-las quando necessário. É importante ter seu caderno de apontamentos das aulas.
4- Tenha seu horário de Estudo: Ter um horário para estudar é importantíssimo. Faça uma programação de estudo, esta deve ser uma decisão só do aluno, escolha um horário do dia para se dedicar ao estudo. Separe no mínimo trinta minutos do seu dia para se dedicar ao estudo. Reveja seus compromissos de trabalho e familiares e decida quando estudar, seja realista quanto ao tempo que você poderá se dedicar aos estudos, sem ficar cansado demais a ponto de ficar desanimado.
5- Recompense-se pelo estudo: Quando os reforços pelo estudo estão muito distantes, como alcançar um diploma, ter uma promoção no emprego ou mudar sua condição social, manter-se motivado fica mais difícil, pois, os resultados estão muito distantes, assim a manutenção da motivação fica mais difícil. Portanto é muito importante que você se recompense quando terminar seu estudo diário ou semanal. Escolha algo que seja importante para você e se presenteie. Pode ser um lanchinho diferente, um programa de TV, um tempo extra de jogos no computador, um cineminha o final de semana Isso permitira que o estudo seja de alguma forma recompensador, pois lhe oferece ganhos a curto e longo prazo.
Por hoje é suficiente, não vamos exagerar na dose.
Nós acreditamos que você poderá aproveitar muito de nossas dicas, se precisar estamos a sua disposição para esclarecer suas duvidas.
Professora Drª. Ana Lucia Nogueira Braz





Referências Bibliográficas
ALAIZA, Lurdes; AMBROSIO, Genaro P.; MARTIN, Enrique Congrains. Aprenda a estudar. São Paulo, Editora Harper e Row do Brasil Ltda, 1979.
Notas metodológicas; subsídios a uma aprendizagem efetiva. Fortaleza, UNIFOR, 1989.
FERNANDES, Maria Nilza. Técnicas de Estudo (Como estudar sozinho). São Paulo, Editora Pedagógica e Universitária Ltda, 1979.
MAGRO, Marina Celeste. Estudar também se aprende. São Paulo, Editora Pedagógica e Universitária Ltda, 1979.

Wilson, Wilkie. Buzzed: The Straight Dope About the Most Used and Abused Drugs from Alcohol to Ecstasy. Paperback, 2008.

segunda-feira, 12 de agosto de 2013

Psicologia Escolar ou Educacional? E agora????

Vamos estudar o trabalho do Psicologo Escolar e Educacional. São iguais ou há diferenças???
Vamos responder tal questão.

Psicologia Escolar e Educacional

Print version ISSN 1413-8557

Psicol. Esc. Educ. vol.16 no.1 Maringá Jan./June 2012

http://dx.doi.org/10.1590/S1413-85572012000100018 



Psicologia Educacional ou Escolar? Eis a questão

Educational Psychology or School Psychology? That is the question

¿Psicología de la Educación o Psicología Escolar? Esa es la cuestión


Deborah Rosária BarbosaI; Marilene Proença Rebello de SouzaII
IProfessora Doutora da Universidade de Mogi das Cruzes (São Paulo), participante do Laboratório Interinstitucional de Estudos e Pesquisas em Psicologia Escolar (LIEPPE) da USP. Mestre em Psicologia Escolar pela Pontifícia Universidade Católica de Campinas (2001) e Doutora em Psicologia Escolar e Desenvolvimento Humano pela Universidade de São Paulo (2011)
IIProfessora, Livre-docente e Doutora da Universidade de São Paulo (São Paulo). Coordenadora e pesquisadora do Programa de Pós-Graduação em Psicologia Escolar e do Desenvolvimento Humano no Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo e coordenadora do Laboratório Interinstitucional de Estudos e Pesquisas em Psicologia Escolar (LIEPPE) da USP. Graduada em Psicologia pela Universidade de São Paulo (1978). Mestrado, Doutorado e Livre-Docência em Psicologia Escolar e do Desenvolvimento Humano pela Universidade de São Paulo (1991, 1996 e 2010, respectivamente)



RESUMO
Este artigo apresenta alguns dados oriundos da tese de doutorado sobre a história do campo de conhecimento e prática da Psicologia em sua relação com a Educação no Brasil. Este estudo foi conduzido baseado no fundamento epistêmico-filosófico do materialismo histórico dialético e na nova história, utilizando fontes bibliográficas históricas e cinco relatos orais de personagens da Psicologia Educacional e Escolar. Os depoimentos e o material das fontes escritas constituíram o corpus documental cuja organização seguiu a metodologia da história oral ehistoriografia plural. Foi realizada análise descritivo-analítica compreendida em duas etapas: a) análise documental (fontes não orais) e b) construção de indicadores e núcleos de significação dos registros orais. A partir das análises, compôs-se uma periodização da história da Psicologia Educacional e Escolar brasileira por meio de marcos históricos da área. No presente artigo destaca-se a discussão acerca da conceituação e terminologias utilizadas pela Psicologia Educacional e Escolar ao longo do tempo e de como essas mudanças nas nomenclaturas da área refletem questões epistemológicas, ideológicas e políticas.
Palavras-chave: Psicologia escolar, psicologia educacional, história da psicologia.

ABSTRACT
In this article we present some data from our doctoral thesis in which we investigate the history of the knowledge and practice of Educational and School Psychology in Brazil. The study was carried out based on new history and philosophical-epistemological foundation of historical and dialectical materialism. We used bibliographical references as well as historical and oral accounts of five living characters of Brazilian history of Educational and School Psychology. The statements of historical sources and the material constituted a corpus of documents which followed the methodology of oral history and pluralistic history. A descriptive analysis was performed in two steps: a) document analysis (non-oral sources) and b) construction of a core of indicators from oral records. From the analysis, we built a timeline of the history of Educational Psychology and Brazilian school through landmarks of the area. We explore here the concept and terms used for the identification of Educational Psychology and School Psychology. We confer how these changes in the nomenclature of the area reflect epistemological, ideological and political choices.
Keywords: School psychology, educational psychology, history of psychology.

RESUMEN
Este artículo contiene datos da tesis de doctorado de uno de los autores que investiga la historia y práctica de la Psicología y su relación con la Educación en Brasil, basándose en la nueva historia y en el materialismo histórico dialéctico, tomando referencias bibliográficas y relatos orales de cinco personajes de la Psicología Educacional y Escolar en Brasil. Los relatos y material de fuentes históricas constituyen el corpus documental cuya organización utilizó la metodología de la historia oral e historia plural, realizando una interpretación descriptivo-analítica en dos etapas: a) análisis de documentos (fuentes no orales) y b) construcción de indicadores y núcleos de significado de registros orales. A partir del análisis se efectuó una cronología de la historia a través de puntos de referencia de la historia del área. En este trabajo se discute el concepto y los diversos términos utilizados en la identificación de Psicología de la Educación y Psicología Escolar y cómo, a través del tiempo, estos cambios en la nomenclatura de la Psicología en su relación con la Educación reflejan las opciones epistemológicas, ideológicas y políticas diferenciadas.
Palabras Clave: Psicología escolar, psicología educacional, historia de la psicología.



Introdução
William Shakespeare até hoje desperta paixões e esse fato se deve, sobretudo, porque suas obras, mesmo tendo uma linguagem característica do fim do século XVI e início do XVII, tratam de temas atemporais e, especialmente, falam do humano. A tragédia de Hamlet, o príncipe da Dinamarca (Shakespeare, 2002), e suas outras obras colocam em cena aspectos internos das personagens e trouxeram para o teatro a necessidade da interpretação das angústias e questionamentos quanto à existência humana e suas vicissitudes.
Quando Hamlet se questiona sobre "ser ou não ser... eis a questão" (Shakespeare, 2002, p. 56) e diz ainda que a consciência nos faz a todos covardes, Shakespeare nos brinda com mais uma de suas instigantes formas de nos fazer parar para pensar em nós mesmos, nossa existência e como a temos conduzido. Forma essa que não fecha em si própria uma resposta definitiva e carrega todas as possibilidades abertas e polissêmicas de forma dialética e processual. Ou seja, as tragédias shakesperianas se eternizaram também por deixar ao leitor múltiplas possibilidades de escolha, sem cair no "isto ou aquilo", conforme poema de Cecília Meireles (1990), ensejando reflexões que tratam da transformação constante e do movimento intrínseco de produção de sentidos sobre o humano e a vida cotidiana.
É com esse espírito de questionamento, de movimento que gostaríamos que os futuros leitores recebessem o presente texto1, resultado de uma tese que teve como objetivo investigar a constituição e consolidação do campo de estudo e atuação em Psicologia Educacional e Escolar no Brasil, por meio de depoimentos orais e de outras fontes historiográficas. A investigação foi conduzida com base nos pressupostos epistêmico-filosóficos da nova história e do materialismo histórico e dialético. A pesquisa teve como diferencial a utilização da história oral e historiografia pluralista como metodologias empregadas. Foi então construído um corpus documental composto por fontes historiográficas sobre o tema e depoimentos orais de cinco personalidades que fizeram parte da construção da história da Psicologia Educacional e Escolar no país.
Os depoentes foram escolhidos por terem sido pioneiros, ou os primeiros a contribuir para esse campo de atuação, ou, mesmo não se tratando de pioneiros, protagonistas que colaboraram como personagens ativos num determinado momento histórico. O trabalho construiu e organizou os depoimentos do Dr. Arrigo Leonardo Angelini, da Dra. Geraldina Porto Witter, da Dra. Maria Helena Souza Patto, da Dra. Raquel Souza Lobo Guzzo e do Dr. Samuel Pfromm Netto. Os depoimentos estão na íntegra na tese2
A partir do conjunto de elementos investigados construídos e de sua análise (descritivo-analítica), compôs-se um panorama da história da Psicologia Educacional e Escolar brasileira e é então sugerida uma proposta de periodização desse histórico, construída a partir de marcos escolhidos como significativos para esse campo de conhecimento. Esses períodos correspondem às seguintes etapas: 1) Colonização, saberes psicológicos e Educação (1500-1906); 2) A Psicologia em outros campos de conhecimento (1906-1930); 3) Desenvolvimentismo - a Escola Nova e os psicologistas na Educação (1930-1962); 4) A Psicologia Educacional e a Psicologia "do" Escolar (1962-1981); 5) O período da crítica (1981-1990); 6) A Psicologia Educacional e Escolar e a reconstrução (1990-2000); 7) A virada do século: novos rumos? (2000- ).
São analisadas as características específicas de cada um desses períodos, mesclando o que foi encontrado nas fontes bibliográficas e orais, e construindo um percurso pelo qual passou a chamada "Psicologia Educacional e Escolar" no Brasil ao longo desses anos. Em termos gerais, pode-se dizer que, em vários momentos, a Psicologia em sua relação com a Educação passou por várias transformações, sendo um conhecimento e uma prática que ora esteve a serviço de interesses conservadores e capitalistas, ora contribuiu para reflexões revolucionárias e emancipatórias.
Um dos resultados interessantes que se pôde construir a partir da tese foi a compreensão de que as diferentes formas de nomenclaturas que se referem à relação entre a Psicologia e Educação na verdade ensejam pressupostos teóricos, práticos, metodológicos e inclusive ideológicos que precisam ser compreendidos não apenas como meras diferenças de nomeação. Identificamos que cada um dos termos usados na identificação desse campo de conhecimento por nós intitulado "Psicologia Educacional e Escolar" tem um percurso histórico que precisa ser conhecido pelos psicólogos e profissionais que se interessam por esse campo. E é sobre essa parte específica da tese que lançaremos nosso olhar neste artigo.
Psicologia educacional ou escolar: uma questão de nomenclatura?
Quando se fala em Psicologia em sua relação com a Educação geralmente se usam os termos "Educacional" ou "Escolar". Além dessas nomeações são comuns os termos: Psicologia na Educação, Psicologia da Educação, Psicologia aplicada à Educação e Psicologia do Escolar. Entretanto, por meio da pesquisa histórica, foi possível encontrar ainda as seguintes expressões: Psicologia Pedagógica, Pedagogia Terapêutica, Pedologia, Puericultura, Paidologia, Paidotécnica, Higiene Escolar, Ortofrenia, Ortofrenopedia e Defectologia. Também em obras diversas aparecem expressões relacionadas: Psicotécnica, Psicologia Aplicada às coisas do Ensino, Psicologia para pais e professores, Psicologia da criança, Psicologia do aluno e da professora, Biotipologia Educacional, Psicopedagogia, Psicologia Especial, Higiene Mental Escolar, Orientação Educacional e Orientação Profissional. Em alguns casos se refere à teoria e em outros se designa o conjunto de práticas desenvolvidas nesse âmbito.
Com esse emaranhado de nomes pode-se pensar que há inclusive uma indefinição identitária desse campo. Se a resposta for sim, essa é uma discussão muito importante para os profissionais que têm interesse nesse tema. Além disso, é necessário questionar, por exemplo, como geralmente se nomeiam os profissionais e os serviços desse setor? Será que existem diferenças quando se fala Escolar e Educacional? Ou ainda Psicologia da Educação ou na Educação?
Na busca de responder a essas indagações que pensamos em traçar um percurso histórico desse conjunto de nomenclaturas para compreender como, ao longo do tempo, foram se constituindo essas nomeações e quais são suas finalidades e distinções. A partir da investigação constatou-se que realmente é fato que a própria definição do que seja ou não Psicologia Educacional e Escolar passou por várias transformações conceituais que refletiram em sua própria designação. A análise histórica dessas configurações revelou que essas diversas terminologias não são meramente uma questão de escolha de nomenclaturas que denominam o mesmo fenômeno.
Identificamos que esses termos citados e suas distinções têm todo um sentido histórico. Essas diferenciações estão relacionadas, sobretudo, à definição desse campo em termos de (a) objetos de interesse, (b) finalidades e (c) métodos de investigação e/ou intervenção, que, por sua vez, estão relacionados à visão de homem, de mundo, de sociedade, de educação e de escola e também quanto ao foco de olhar à interface Psicologia e Educação. E isso foi se modificando ao longo do tempo, como discutiremos a seguir.
Inicialmente gostaríamos de trazer uma definição de Antunes (2007):
A Psicologia Educacional pode ser considerada como uma sub-área da psicologia, o que pressupõe esta última como área de conhecimento. Entende-se área de conhecimento como corpus sistemático e organizado de saberes produzidos de acordo com procedimentos definidos, referentes a determinados fenômenos ou conjunto de fenômenos constituintes da realidade, fundamentado em concepções ontológicas, epistemológicas, metodológicas e éticas determinadas. Faz-se necessário, porém, considerar a diversidade de concepções, abordagens e sistemas teóricos que constituem as várias produções de conhecimento, particularmente no âmbito das ciências humanas, das quais a psicologia faz parte. Assim, a Psicologia da Educação pode ser entendida como sub-área de conhecimento, que tem como vocação a produção de saberes relativos ao fenômeno psicológico constituinte do processo educativo.
A Psicologia Escolar, diferentemente, define-se pelo âmbito profissional e refere-se a um campo de ação determinado, isto é, a escola e as relações que aí se estabelecem; fundamenta sua atuação nos conhecimentos produzidos pela Psicologia da Educação, por outras sub-áreas da psicologia e por outras áreas de conhecimento.
Deve-se, pois, sublinhar que Psicologia Educacional e Psicologia Escolar são intrinsecamente relacionadas, mas não são idênticas, nem podem reduzir-se uma à outra, guardando cada qual sua autonomia relativa. A primeira é uma área de conhecimento (ou sub-área) e tem por finalidade produzir saberes sobre o fenômeno psicológico no processo educativo. A outra constitui-se como campo de atuação profissional, realizando intervenções no espaço escolar ou a ele relacionado, tendo como foco o fenômeno psicológico, fundamentada em saberes produzidos, não só, mas principalmente, pela subárea da psicologia, a psicologia da educação (p. 3-4).
A autora diz em nota de rodapé que "muitas expressões são utilizadas, dentre as quais: Psicologia Educacional, Psicologia da Educação, Psicologia na Educação e outras. Há implicações teóricas que subjazem à opção por uma ou outra denominação, mas que não serão aqui tratadas, dada delimitação do presente texto" (p. 3). Em termos gerais a definição mostra Psicologia Educacional e da Educação como sinônimos e correspondem à teorização ou produção de saberes sobre o processo educativo e a Psicologia Escolar como um campo de atuação ou prática do psicólogo em contextos educativos diversos. Antunes (2011) recentemente voltou a tratar do tema dizendo que essas diferenciações devem ser observadas a partir do contexto histórico no qual estão inseridas e, portanto, é de suma importância trazer à luz como foram constituídas historicamente.
Essa diferenciação e diríamos até cisão clássica entre teoria e prática foi historicamente constituída na Psicologia e também na Psicologia Educacional e Escolar, especialmente pela influência estadunidense. Sabemos que foi nos Estados Unidos que apareceu pela primeira vez em termos científicos o termo "Educational Psychology" em livro homônimo de Thorndike de 1903 e, posteriormente, esse mesmo autor colaborou para a criação da primeira revista dessa temática nos Estados Unidos, intitulada "Journal of Educational Psychology", em 1910. Posteriormente, inspirados por esse primeiro, surgiram outros periódicos de igual interesse, por exemplo: "School Psychology International", "Psychology in the Schools", "School Psychology Review" e "School Psychologist"(Pfromm Netto, 1996, p. 22).
A American Psychological Association (APA), uma das maiores organizações científicas e profissionais que congrega profissionais dos Estados Unidos e de outros países associados, como é organizada em divisões, mantém duas divisões para o tema da Psicologia em sua relação com a Educação, como nos informam Angelini e Witter (Barbosa, 2011):
Na "American Psychological Association", entidade estruturada em Divisões, existe a Divisão de número 15 "Educational Psychology" e a de número 16, "School Psychology". No meu entender, a Educacional abrange a Escolar (Arrigo Angelini, 2009 - depoimento para Barbosa, 2011, p. 595).
Porque a Psicologia Educacional, no exterior, em vários países, ela aparece como associada. Elas são dois ramos. A Psicologia Escolar faz pesquisa, mas a pesquisa está ligada ou é decorrência da Psicologia Educacional. Ou mesmo é uma aplicação no âmbito estrito (Geraldina Porto Witter, 2009 - depoimento para Barbosa, 2011, p. 295).
E, nesse sentido, no Brasil, devido à influência que se teve dessas formulações estrangeiras, classicamente se considerava que essa era a distinção primordial. A professora Geraldina Witter ainda complementa dizendo que essa diferenciação é inócua, pois, segundo ela, "é claro que uma coisa não vive sem a outra, não é?" (depoimento para Barbosa, 2011, p. 555)
Mas, de um modo geral, essa divisão clássica e hoje tradicional é muito disseminada por alguns teóricos e profissionais que mantêm a ideia de que a Psicologia Educacional fica a cargo de responder pela teorização e pelas pesquisas, e a Psicologia Escolar, pela prática. Contudo, a partir do olhar histórico, verifica-se que o termo "Psicologia Educacional" durante muito tempo no Brasil reunia em si os dois aspectos - o teórico e o prático -, sendo que também havia outras nomeações (antes citadas) que designavam esse campo.
Uma peculiaridade da história da Psicologia no Brasil é que, diferentemente do que ocorreu em outros países nos quais o campo da Psicologia Educacional e Escolar se consolidou após a Psicologia propriamente dita, como uma derivação desta, pelo menos no que se refere à prática, aqui ocorreu de forma diferente. Esse campo nasceu, desenvolveu-se e se consolidou concomitantemente à Psicologia propriamente dita. E especialmente ao que tange à aplicação prática dos conhecimentos psicológicos, o campo educativo foi um dos primeiros. Isso é possível apreender por meio das evidências encontradas em documentos escritos, nos depoimentos que podemos ter acesso de pioneiros e também na constituição dos primeiros serviços. Para Antunes, essa ligação é tão intensa que: "[o] vínculo entre a Psicologia e Educação é um vínculo muito estreito, e eu diria até constitutivo" (Ciampa & Conselho Regional de Psicologia de São Paulo, 2009). Essa mesma autora reitera que a Psicologia Educacional e Escolar foi um dos principais pilares sob o qual a Psicologia se erigiu no seu processo de autonomização e que muitas práticas iniciais da Psicologia principiaram por meio da sua relação com a Educação (Antunes, 2003, 2007).
Como temos conhecido através dos estudos de Massimi (1984, 1990) e Massimi e Guedes (2004), desde o período colonial, podemos encontrar indícios de conhecimentos psicológicos sendo aplicados em diferentes áreas e uma delas se destaca, o trabalho de educação jesuítica. No Brasil, desde a chegada dos jesuítas e da instituição de um projeto de Educação no país, pode-se verificar o uso de conhecimentos, saberes ou ideias psicológicas em interação com os processos educativos. Massimi (1984, 1990) relata que encontrou em obras, cartas e documentos históricos do período colonial referências a temas como família, desenvolvimento e aprendizagem infantis, e o papel dos jogos na educação, entre outros assuntos que mais tarde seriam objeto da Psicologia em sua relação com a Educação.
Desse modo, muito antes da influência dos estudos norte-americanos aportarem no país, assim como os conhecimentos psicológicos europeus e ingleses do século XX, podemos encontrar referências como a de Juan Luís Vives (1492-1540), comentador de Aristóteles que, segundo Noemy Silveira Rudolfer, em seu trabalho precursor no século XVI, na obra "De Anima et Vita" (de 1538), escreve sobre Psicologia e sua relação com o ensino. A autora afirma que:
Êle3 não podia aplicar à educação princípios psicológicos inexistentes. Nem seria possível encontrá-los numa época de transição da psicologia. Tratou de induzi-los com o alvo da aplicação em mira.
[...] não se pode conhecer a natureza ou a origem da alma, mas apenas suas manifestações, diz êle [Vives]. É com razão, pois, que o consideram o iniciador da psicologia empírica.
[...] é, por conseguinte, nos elementos da psicologia de Vives que vamos encontrar os primeiros traços da psicologia educacional, na sua exposição da variedade de manifestação da alma (Rudolfer, 1938/1965, p. 6-7).
Para Cerqueira (2000), Vives foi um dos colaboradores para a elaboração do "Ratio Studiorum", que foi o plano geral de estudos organizado pela Ordem da Companhia de Jesus para a aplicação em todos os colégios mantidos por esta. A educação jesuíta durou de 1549 a 1759 e tinha como propósito primordial o trabalho educativo visando à catequização e instrução na fé cristã. Em 1759, por meio das Reformas Pombalinas, ocorreu a expulsão da Companhia de Jesus do Brasil. O Marquês de Pombal então instaura uma série de mudanças no sistema educacional que tinham influência das ideias iluministas e defendiam o ensino laico.
As reformas de Pombal incluíram mudanças nos "estudos menores" (primeiras letras) e nos "estudos maiores" (ligados à Universidade de Coimbra). Foram contratados professores régios, que recebiam da Coroa e, ao mesmo tempo, se submeteram a uma orientação pedagógica que incorporava os ideais iluministas. Nesse sentido, o ensino passa a ter como característica a educação por meio de aulas régias (ou avulsas) tendo a figura do professor como central no processo (Saviani, 2008).
Segundo Antunes (2003), no Período Colonial a característica principal era propiciar a educação dos indígenas e da população recém-chegada ao Brasil. Tinha-se como objetivo principal a educação de crianças de modo a "domá-las", "moldá-las" segundo os propósitos do adulto. A autora considera que se utilizava de castigos e prêmios como meio de controle do comportamento e que é comum encontrar referências do período que tratam do cuidado com a educação moral e física dos infantes. Ela informa que Manoel Andrade Figueiredo (1670-1735), que escreveu a primeira cartilha educativa de Portugal, denominada "A Nova Escola para aprender a ler, escrever e contar" (de 1722), descrevia nesta a "educação de meninos rudes". Estes não deveriam ser tratados de forma punitiva, pois isso poderia afetar o desenvolvimento e a personalidade da criança.
Assim, explicações para o comportamento infantil tinham feições ambientalistas e empiristas, além da proposição de formas de prevenção de problemas de comportamento por meio de um sistema de monitoria e ensino. Inicia-se, assim, o uso de conhecimentos que posteriormente chamaríamos de psicológicos com fins educativos, especialmente de cunho punitivo, correcional ou adaptacionista. Os termos Pedologia, Puericultura, Paidologia, Paidotécnica (relacionados à criança) e também Ortofrenia, Ortofrenopedia, Defectologia (relacionados à criança "defeituosa", "deficiente" ou "retardada") têm origem nesse tipo de pensamento adaptacionista.
Mesmo com essa origem remota, só podemos falar em uma "área" propriamente dita chamada "Psicologia Educacional" (nome inicialmente dado a esta) a partir da autonomização da Psicologia (em fins do século XIX e início do século XX). No caso do Brasil, também se tem como marco inicial a criação da profissão de psicólogos no país, em 1962. Esse campo teórico e prático tem ainda como origem a criação de instituições e associações dedicadas a esse objeto de estudo e intervenção nos primeiros anos do século XX, especialmente nos anos 1930. Entretanto, aos poucos é que foram sendo definidas as especificidades dessa que é considerada por uns uma "área", por outros um "campo", um "ramo" ou até uma "subdivisão" ou "subárea" da Psicologia4.
Nesses primórdios a Psicologia Educacional define melhor seu objeto de interesse, suas finalidades, seus métodos de investigação e conceitos primordiais. É nítida a expressão fundante da Puericultura, quando o foco deinteresse era o conhecimento do desenvolvimento infantil, e também da Ortofrenia, quando o objetivo era trabalhar as questões das crianças ditas "anormais". Também se observa a presença da chamada Pedagogia Terapêutica, Higiene Escolar ou Higiene Mental Escolar, quando se enfatizavam os métodos de intervenção médico-curativos e clínicos para resolver os chamados "problemas das crianças".
Essas referências iniciais da Psicologia Educacional tinham relação com a crescente onda do movimento de Higiene Mental ou higienista que se tornou expressivo no país no início e meados do século XX. Também foram influências iniciais a expansão do movimento psicométrico, da Psicanálise e da Psicologia Infantil (Puericultura) ou Pedagogia Terapêutica, como era chamada.
A Psicologia Educacional no Brasil, em seus primórdios, abarcava teoria e prática e estava relacionada sobretudo à disciplina "Psicologia Educacional" dos cursos Normais, que utilizava trabalhos empíricos realizados em Laboratórios de Psicologia, durante muito tempo relacionados ao movimento psicométrico, higienista e influência da Psicologia Infantil. Usavam-se como sinônimos de Psicologia Educacional, com essa configuração, os termos Psicologia na Educação, Psicologia da Educação, Psicologia aplicada à Educação e Psicologia Experimental. Geralmente a expressão "Psicologia Educacional" era mais utilizada por ser a nomenclatura das disciplinas ministradas nos cursos Normais e esta abarcava as demais como conteúdos. Segundo Mello (1975, p. 34): "Em 1931 uma disciplina psicológica é introduzida, pela primeira vez, no currículo de um curso universitário, o nome que recebe - Psicologia Aplicada aos Problemas da Educação - dá indícios do caráter que se queria atribuir ao curso".
Essa disciplina era oferecida no curso de aperfeiçoamento pedagógico do Instituto Pedagógico de São Paulo (curso para professores), e sabe-se que existiam disciplinas anteriores que tinham terminologias parecidas também em outros estados. Outras nomenclaturas relacionadas eram Psicologia Pedagógica, Pedagogia Científica,Psicologia Experimental.
Em algumas obras dos anos de 1920 e 1930, que analisamos na tese (Barbosa, 2011), encontra-se a nomeaçãoBiologia Educacional e Biotipologia Educacional, que traziam conhecimentos do campo biológico e também psicológico. Essas denominações nos informam o quanto a relação entre Psicologia e Educação era constitutiva, tanto de um quanto de outro desses campos de conhecimento. Também nos comunica sobre a relação inicial da Psicologia com a pesquisa empírica, fisiológica e biológica, a partir das expressões experimental, fisiológica e biológica. Aqui começa a se estabelecer outra grande influência além das anteriormente citadas - o conhecimento biológico e fisiológico, do campo médico, que trouxe a "biologização" dos fenômenos escolares, algo largamente criticado nos dias atuais.
Pode-se inferir que a escolha por Psicologia da Educação ou na Educação, Psicologia PedagógicaBiologia Educacional ou Biotipologia Educacional denotam, por um lado, que os conhecimentos psicológicos foram importantes para a constituição e consolidação desses outros campos de saberes, ao mesmo tempo em que mostram certa relação de "subjugação" de um saber ao outro. No caso, nota-se que a Psicologia estaria relacionada aos campos educacional, pedagógico ou biológico, sendo quase que um "braço" destes. Em outros termos, principia uma influência funesta de alicerçar a Psicologia em sua relação com a Educação à influência biologicista e também pedagógica nesses tempos remotos.
É possível inferir que, pelo fato de ainda não termos, naquela época, uma Psicologia como ciência e profissão, algo que foi se consolidar após a legislação que criou a profissão de psicólogos no país (em 1962), a Psicologia e também a Psicologia Educacional ainda estavam se constituindo de forma a "tomar de empréstimo" as produções que eram realizadas em outros campos de saber (Educação, Biologia, Medicina etc.). Isso se observa inclusive nos termos usados até hoje quanto a procedimentos de intervenção como o uso da palavra anamnese ediagnóstico (de origem do campo médico).
Pode-se dizer que o objeto de interesse inicial foi se constituir em um campo de teoria e aplicação estritamente ligado à docência nas Escolas Normais e cursos de formação de professores. A Psicologia Educacional caracterizou-se, então, nesses primórdios, como ensino de Psicologia para futuros educadores, tendo a finalidadede formação e utilização de investigação e produção de saberes oriundos dos laboratórios, com vistas à compreensão dos processos educativos. Esses conhecimentos tiveram a influência, sobretudo, do movimento psicométrico e de elementos de Puericultura ou Psicologia da Criança, vindas da Europa, especialmente a partir dos estudos desenvolvidos no Instituto Jean-Jacques Rousseau (nos anos 1930). Também se destacam a forte presença da Psicanálise a partir dos anos 1940 e também do pensamento biologicista medicalizante que se traduzia à época no movimento higienista.
Em resumo, a Psicologia Educacional teórica e prática tinha como objetivo principal diagnosticar as crianças no interior da escola quanto a sua "normalidade" ou "anormalidade" e, baseada nos experimentos e testagens, garantia-se a divisão em classes e/ou escolas especiais para atendimento de suas "necessidades especiais" se fosse o caso. Entra em cena a ideia de normatização que se acresce à de adaptação e atendimento das "anormalidades" por meio de trabalhos terapêuticos garantidos por meio da Higiene Mental Escolar.
Essa configuração fica evidente nos primeiros serviços de atendimento psicológico do país que tiveram configuração "educacional". Em 1938 são criados o Serviço de Saúde Escolar, que teve o médico Durval Marcondes como coordenador em São Paulo, a Seção Técnica de Ortofrenia e Higiene Mental do Departamento de Educação e Cultura do Distrito Federal no Rio de Janeiro e a Clínica de Orientação Infantil no Rio de Janeiro. Esta última tinha o médico Arthur Ramos (1903-1949) como responsável. Tanto Durval Marcondes como Artur Ramos demonstraram ter forte ligação ao pensamento psicanalítico.
Outros serviços semelhantes apareceram com igual finalidade em outros estados da Federação e pode-se afirmar que, como a Educação e a escola brasileira estavam passando naquele momento por muitas reformulações, a Psicologia veio para contribuir com a organização destas, de modo a cumprir com a finalidade "ajustatória". Nesse momento, a marca da Psicologia do "ajustamento" e clínico-médica começava a se consolidar.
Especialmente nos anos 1930, a influência das pesquisas produzidas na Europa e nos Estados Unidos cresceu no país, e o movimento da Escola Nova começou a ter presença marcante. Sabe-se que, nesse período, historicamente o país estava passando por mudanças sociopolíticas estruturais, deixando de ser essencialmente agrário e rural para se tornar um país agroexportador, industrializado e urbano. Nesse sentido, com vistas a uma "renovação escolar", crescia a ideia de uma nova "Educação" e também cresceram em conjunto as teorias higienistas que buscavam medidas de caráter profilático para o âmbito escolar (Antunes, 2003; Patto, 2008).
Yazzle (1997) esclarece sobre o período que:
Conforme Penna (1985, p. 8), o pensamento psicológico brasileiro em suas origens - assim como nossa cultura do século XIX - foi profundamente marcado pelas ideias francesas embebidas pelo positivismo comteano.
[...] os primeiros trabalhos da Psicologia no Brasil foram desenvolvidos por profissionais da medicina que, oriundos de uma elite econômica, puderam complementar sua formação intelectual junto a centros de cultura europeus (principalmente a França). Assim, a erudição burguesa, humanista e academicista aí veiculada conduzia ao estudo dos fenômenos psicológicos sob a ótica positivista, enfatizando a observação direta e a possibilidade de experimentação.
[...] o modo liberal democrático de pensar a sociedade compreendia que a educação dada pela escola, aberta a todos os segmentos, oferecendo oportunidades iguais para todos os indivíduos, no novo modelo econômico que aos poucos ia se implantando no Brasil, ampliando as diferenças sociais, poderia minimizar os efeitos dos movimentos populares [...] (p. 19).
Para essa mesma autora, o escolanovismo baseava-se nessa ideia liberal de "mito da igualdade de oportunidades" que a escola pode oferecer, negando as diferenças de classe dadas pela constituição sociopolítica do capitalismo. O movimento de Escola Nova encontrou na Psicologia, através dos testes psicológicos e conhecimento sobre inteligência, maturidade e prontidão para aprendizagem, explicações para as diferenças individuais que culpabilizavam o sujeito pela sua condição e ocultavam as desigualdades sociais (Yazzle, 1997).
Nesse contexto, a Psicologia tinha como foco analisar o processo de desenvolvimento infantil, o olhar para a criança, e seu interesse era constituir-se como campo que aliaria esses conhecimentos no contexto educacional de forma adaptacionista, cuja identificação era a Pedologia, a Puericultura e até a Paidologia ou Paidotécnica (terminologias que se referem ao estudo do desenvolvimento infantil). Assim, o objeto de interesse primordial passava a ser a criança no contexto educacional, e a finalidade, compreender suas características, seu processo de desenvolvimento, utilizando para isso investigações agora não apenas psicométricas, mas também com foco no estudo das influências familiares e contextuais.
A influência da Psicanálise foi um exemplo da mudança de foco do pensamento biologicista e puramente clínico-médico para um olhar direcionado às configurações familiares e sua importância naquele contexto. Embora ainda se possa identificar o olhar medicalizante e de ideologia liberal e a influência do movimento de Higiene Mental, pode-se dizer que o foco deixa um pouco de lado apenas o "indivíduo" criança e passa a observar seu entorno, no caso a família.
Esse tipo de pensamento também se inseriu no que depois passou a se designar "Psicologia do Escolar", que representava a ênfase no olhar para "o" escolar, ou o estudante, ressaltando a análise individual dos fenômenos escolares e o olhar para a criança no contexto escolar. Nos anos 1960 e 1970 do século XX, podemos dizer que essa "Psicologia do Escolar" com foco na "criança-problema", ou "criança que não aprende", e nos "problemas de aprendizagem" foi a tônica do momento. A marca ainda clara do modelo clínico-médico permanece e busca-se cada vez mais a investigação dos processos "anormais" ou "desviantes", cuja base é a Psicologia do "ajustamento", da Psicologia Diferencial e da Psicopatologia.
É por aí que a história da presença da Psicologia na educação começa. Começa medindo aptidões tidas como naturais, e tentando fazer um encaixe perfeito entre as capacidades medidas de Q.I., habilidades específicas etc. e o ensino. Era um raciocínio muito parecido com o da taylorização do processo de produção industrial. Você tem a máquina e a matéria-prima, por exemplo, uma máquina que processa arame, você precisa de fios de arame no diâmetro exato para que aquela máquina possa processá-lo, e você separa os arames mais grossos ou mais finos. Houve um namoro sério da Escola Nova com o taylorismo, tanto lá fora como aqui no Brasil. E essa ideia de ajustamento, digamos assim, entre o processo de ensino e as características do aprendiz. Esta é a concepção de ensino que está na base da educação compensatória (Maria Helena Souza Patto, 2010 - depoimento para Barbosa, 2011, p. 644).
Para o atendimento ou "tratamento" dos "anormais" surgem os serviços de Higiene Mental, Higiene Mental Escolar, Ortofrenia, Ortofrenopedia e Defectologia. Todas essas nomeações tinham como objeto a investigação e tratamento dos denominados "anormais", "retardatários", "excepcionais", "especiais", campo que hoje denominamos Educação Especial. Nesse contexto, o objeto de interesse se desloca para o indivíduo que apresenta algum tipo de "desvio" daqueles considerados "normais". No contexto educativo, era chamado de "criança-problema", "aluno problema", "criança difícil". A finalidade da Psicologia Educacional interessada nessa temática é então constituída com base na identificação e discriminação desses "diferentes", a partir dos instrumentais psicométricos e avaliativos em moda no período5.
Ao contrário do que parece, o termo "Psicologia Especial", nessa época, não estava relacionado à área que tinha como foco os indivíduos "anormais" ou "especiais"; a Psicologia Especial da época dizia respeito à distinção da Psicologia Geral, indicando o que atualmente designamos áreas específicas (no momento ditas "especiais" da Psicologia). Assim, a Psicologia Educacional fazia parte da Psicologia Especial, assim como a Psicologia Clínica, a Social ou a do Trabalho (eram especialidades). Em outras palavras, o "especial" aqui se referia a um conteúdo "especial", "específico" ou de "especialidade" no interior do grande campo da Psicologia chamado de Psicologia Geral6.
Além disso, as nomeações Psicotécnica e Psicologia Aplicada indicavam a ênfase no campo prático da Psicologia e, nesse sentido, se destacava a Psicologia Aplicada aos âmbitos escolar, clínico, do trabalho, social etc. A Psicologia Aplicada à Educação também tinha como símiles a Psicologia para pais e professores, a Psicologia da criança, do aluno e da professora e a Psicopedagogia. Especialmente em textos das décadas de 20, 30, 40 e 50 do século XX é que aparecem tais denominações referindo-se especificamente à atuação prática da Psicologia Educacional (Barbosa, 2011).
Observou-se que, a partir da profissionalização, com a aprovação de lei que regulamentou a profissão de psicólogos no Brasil (Lei N. 4.119 de 27 de agosto de 1962), usam-se mais termos relacionados à Psicologia Aplicada, assim como se perpetuam as terminologias ligadas ao campo de tratamento dos "anormais" e inicia-se o uso da nomenclatura "Psicologia Escolar" nos anos 1970 e 1980. Em meados dos anos 1970 iniciam-se práticas de psicólogos em unidades como prefeituras e centros de atendimento psicológico específico para atendimento escolar (Taverna, 2003). Também à época é característica o crescimento da "Psicologia do Escolar", que mostrava como objeto de interesse o aprendiz e cuja principal finalidade era compreendê-lo para contribuir com seu processo educativo.
Mantém-se ainda a primazia do interesse "na" criança que "não aprende" no contexto escolar e nos chamados "anormais" e "crianças-problema", embora as explicações sobre esse não aprender mudem de foco. Com finalidades liberais e ajustatórias, a teoria da carência cultural, nascida nos Estados Unidos como forma de explicação das diferenças individuais entre as minorias pobres, negras e latinas no país, passa a ser amplamente divulgada em nosso país. Segundo Patto:
A teoria da carência cultural foi a resposta que o Estado norte-americano deu aos movimentos das minorias raciais, às suas reivindicações de igualdade de liberdade, de fraternidade, de direitos civis, sociais e políticos...
[...] A teoria da carência cultural é baseada nisto. [...]
[...] Afirmava-se que as crianças negras não aprendiam, não porque fossem geneticamente inferiores, porque depois da Segunda Guerra Mundial e depois do nazi-fascismo ninguém tinha a coragem de afirmar isso explicitamente, mesmo que acreditasse... A teoria da carência cultural parte do princípio de que a inteligência é algo que se pode aumentar pela estimulação ambiental. E os programas de educação compensatória eram isto, era fazer com que crianças supostamente menos capazes de aprender, porque teriam um ambiente muito pobre de estimulação, pudessem ser estimuladas através desses programas para poderem ir bem na escola. Acreditava-se que desta forma se poderia garantir na sociedade norte-americana a igualdade de oportunidades.
Mas, por mais que você queira, não é possível instaurar igualdade de oportunidades numa sociedade desigual, não é? Mas as pessoas que trabalharam a teoria da carência cultural e planejaram os programas de educação compensatória não eram mal intencionadas, elas acreditavam nisso. Mas o caminho não é esse, não é por aí (Maria Helena Souza Patto, 2010 - depoimento para Barbosa, 2011, p. 644-645).
Como diz Yazzle (1997), a Psicologia passa a minimizar os fatores biológicos como explicação dos comportamentos "do escolar" e inicia-se um discurso sobre os fatores ambientais e socioeconômicos como produtores de "déficits comportamentais", para a autora: "caía-se, assim, no determinismo sociológico" (p. 33). E foi apenas a partir da crítica a esse tipo de pensamento que foi possível construir outro conhecimento e prática que pudesse tirar o foco da "criança-problema", que "não aprende", e das finalidades de trabalho junto aos "problemas de aprendizagem" com objetivos ajustatórios ou discriminatórios, para finalmente se pensar nos processos educacionais de um modo mais amplo. Essa crítica principia em meados e final da década 70 do século XX.
Nos anos 1980, muitos teóricos passam a criticar o foco na criança, no educando, no olhar que enfatizava o desenvolvimento individual e a utilização de instrumental psicométrico, psicanalítico ou a teoria da carência cultural. A partir da tese de Maria Helena Souza Patto intitulada "Psicologia e Ideologia, reflexões sobre a Psicologia Escolar" de 1981 nota-se uma mudança provocada pela crítica da autora ao pensamento tradicional que até então era dominante no âmbito da Psicologia Educacional e Escolar no país. Muitos pesquisadores (Cruces, 2003; Meira & Antunes, 2003a, 2003b; Silva, 2002; Souza, 2008; Waeny & Azevedo, 2009; Yazlle, 1990, entre outros) acreditam que essa publicação foi um divisor de águas para a Psicologia Educacional e Escolar no país, dada a sua crítica ter levado a pensar em outros rumos para a área.
A partir da crítica empreendida nessa obra e também em outras posteriores, observa-se a mudança no que se refere ao objeto de interesse, às proposições das finalidades e também aos métodos e técnicas de atuação nesse contexto. Cresce a utilização da nomenclatura Psicologia Escolar com vista a se diferenciar da Psicologia Educacional agora entendida como tradicional e representante de todo o pensamento anterior de cunho ajustatório, adaptacionista, discriminatório e que ora assumiu feições biologicistas, medicalizantes, ora defendeu teorias como aquelas oriundas do pensamento higienista e da carência cultural.
A chamada Psicologia Escolar, atualmente denominada por alguns autores como Psicologia Escolar Crítica (Meira, 2000; Meira & Antunes, 2003a, 2003b; Souza, 2010; Tanamachi, 2000; Tanamachi, Proença, & Rocha, 2000), tem como prerrogativa outras bases de sustentação teórica e metodológica e se caracteriza por propor um olhar para o processo de escolarização e para o contexto sócio-político-cultural em que estão inseridos os processos educativos. Nessa visão, tem-se como objeto de interesse a investigação e intervenção nos contextos educacionais e processos de escolarização. Compreende-se que o "não aprender" está relacionado a toda uma produção do fracasso escolar, cujas origens se referem a uma multiplicidade de fatores intervenientes, incluindo as políticas públicas educacionais, a formação docente, o material didático, a organização do espaço escolar, entre outros. Muitas vezes, esse "não aprender" é materializado/corporificado sob a forma de uma queixa escolar sobre aquele indivíduo "que não aprende". Essa queixa chega ao psicólogo que deve, a partir de então, atuar de forma diferente da anterior, que tinha na investigação psicométrica seu maior instrumental de trabalho. Nessa linha de pensamento, a função do psicólogo escolar é de modo crítico buscar ir às origens e raízes do processo de escolarização, compreender suas diferentes facetas, incluir em seu trabalho uma atuação junto ao aprendiz, aos docentes, à família, à escola, à Educação como um todo e à sociedade em que está inserida.
Essa ideia de "crítica" é endossada por outros pesquisadores e profissionais da Psicologia Educacional e Escolar e fortemente divulgada nos anos 1980, 1990 e 2000. Khouri, por exemplo, na obra "Psicologia Escolar" (1984), descreve o novo papel do psicólogo nesse campo de atuação:
[...] "o psicólogo escolar atua, em primeiro lugar, de acordo com um papel de educador" afirma Reger, que acrescenta: seu objetivo básico é ajudar a aumentar a qualidade e a eficácia do processo educacional através dos conhecimentos psicológicos. Ele está na escola para ajudar a planejar programas educacionais [...] (Khouri, 1984, p. 1, grifos do original).
Tanamachi e Meira afirmam que esse campo é uma "[...] área de estudo da Psicologia e de atuação/formação profissional do psicólogo, que tem no contexto educacional - escolar ou extra-escolar, mas a ele relacionado -, o foco de sua atenção" (Tanamachi & Meira, 2003, p. 11). As autoras reiteram que o profissional da área, mesmo não atuando diretamente no contexto escolar, tem um compromisso teórico e prático com as questões da escola e da Educação. Ao produzir referências (ciência) ou atuar (profissão) nesse âmbito, o profissional não deve se limitar aos conhecimentos nem da Psicologia, nem da Educação, mas utilizar como base as produções inúmeras e fecundas de outras áreas de conhecimento como a Filosofia, Sociologia, Antropologia etc. De um modo geral, busca-se, a partir dessa nova orientação, novas formas de pesquisa, produção de conhecimentos e atuação que tenham imbricadas as dimensões teóricas e práticas e, sobretudo, práxicas de compromisso ético-político com as questões educacionais, escolares e sua melhoria.
As publicações analisadas, relacionadas à perspectiva crítica, revelam que o objeto de estudo e a forma de trabalho se ampliou muito desde aquela atuação inicial nos "problemas de aprendizagem" das chamadas "crianças-problema". Para os autores contemporâneos, o trabalho do psicólogo nesse campo é ter como principal tarefa buscar otimizar situações que envolvam os processos de escolarização a partir de uma prática com o coletivo e o individual concomitantemente. Como métodos e técnicas, utilizam-se diferentes estratégicas que atendam às necessidades das instituições escolares, dos educadores, dos educandos e da comunidade escolar como um todo. O profissional pode atuar como profissional dentro da escola ou nos moldes de trabalho externo (consultoria externa).
Por outro lado, mesmo que haja uma identificação com esse novo pensamento, ainda encontram-se trabalhos de Psicologia Educacional e Escolar que expressam a influência do modelo clínico de atendimento, cujo foco ainda é individualizante, sobre a "criança que não aprende". Apesar de encontrarmos muitos relatos teóricos e práticos de cunho crítico, por outro lado, ainda se faz presente o pensamento tradicional. Um exemplo é o crescimento da chamada Psicopedagogia que, em termos gerais, revive o movimento psicanalítico e clínico-médico de atenção à criança no contexto educacional e sua família. Também a onda medicalizante tem possibilitado a entrada de diagnósticos médicos para explicações de fenômenos no campo educacional (Collares & Moysés, 1994), retomando a visão biologicista.
A partir dos anos 2000, cresceram vertiginosamente trabalhos de atendimento clínico a crianças, assim como o encaminhamento para diagnosticá-las e medicá-las a partir de "supostos" transtornos neurológicos (Conselho Regional de Psicologia de São Paulo & Grupo Interinstitucional "Queixa Escolar", 2010). A medicalização e patologização tem sido cada vez mais frequente no discurso educacional.
Em conclusão, é possível afirmar que, ao longo do tempo, foram muitos os objetos de estudofinalidades,métodos e técnicas de investigação e intervenção no campo de conhecimento da Psicologia Educacional e Escolar. Essas modificações ocorreram também devido à mudança acerca da visão de homem, de mundo, deeducação, escola e sociedade. Essas distinções estão relacionadas a concepções ideológicas que perpassaram cada momento histórico e, nos dizeres de Yazzle (1997), encontramos:
[...] práticas individualistas e ajustatórias, com ênfase nos processos de aprendizagem e procedimentos remediativos - modelo médico - como solução dos chamados problemas escolares.
Contudo, na década de 1980 já se verificam algumas práticas de psicólogos escolares voltados para a superação do psicologismo, contemplando os determinantes concretos, sociais e históricos das necessidades e dificuldades que envolvem as instituições educacionais (p. 35).
Ampliou-se o modo de olhar e atualmente não apenas se consideram as "dificuldades de aprendizagem do aluno", pensa-se contemporaneamente no fenômeno do "fracasso escolar", das "queixas escolares", dos "problemas de escolarização", objetos de estudo e intervenção mais abrangentes e não individualizantes da questão. As intervenções/ações do psicólogo escolar também passaram a envolver "orientação profissional", "orientação educacional", "orientação a queixas escolares" e "formação docente", ou seja, um trabalho que envolve todos os atores do contexto educativo (alunos, educadores, pais e a comunidade escolar em geral). Embora essas novas proposições não sejam unânimes, elas têm crescido cada vez mais.

Considerações finais
Pode se dizer que a crise "identitária" da Psicologia Educacional e Escolar persiste, mas tem tido nova configuração, pois está cada vez mais claro que a denominação, assim como as definições do modo de construção do conhecimento (teoria) e intervenção (prática), seguirá os pressupostos subjacentes à escolha de cada profissional no que se refere às suas bases de pensamento críticas ou tradicionais. Contudo, em nossa compreensão, é preciso se tomar cuidado com essa polarização pura e simples já que, a nosso ver, é importante que possamos não esquecer a contribuição histórica de certas teorias e práticas que deram sustentação inicial e contribuíram para erigir esse campo de conhecimento. Em outras palavras, exige-se um "dialetizar" dessas dicotomizações de modo a melhor compreendê-las. É por isso que adotamos a terminologia Psicologia Educacionale Escolar, para manter nossa consideração à história desse campo de conhecimento, que no nosso entendimento é amplo, multifacetado, e que tanto deu contribuições relevantes para o campo educacional, como favoreceu a discriminação e o preconceito.
Consideramos que é essencial que possamos, a partir do conhecimento da história, compreendermos nossas escolhas no presente de modo a construir um novo futuro. E essa construção é a cada dia, a cada passo, como afirma Guzzo (2001): "Trazendo as palavras de Fagan (1996), tornar-se psicólogo escolar é nunca chegar a ser psicólogo escolar, pois para responder às mudanças sociais no contexto educacional, nunca se está pronto... é preciso que se construa a cada dia".
Talvez devamos pensar que esse é um caminho interessante, o do movimento, o de sempre se reinventar, pois, a cada passo da estrada, novos horizontes são avistados, o que exige outras formas de caminhar e seguir. E devemos, ao invés de procurar uma definição, nomeação ou denominação definitiva, estarmos abertos às múltiplas possibilidades que ainda não construímos. Não tenhamos a pretensão de que fique pronta nossa "edição convincente" para não estarmos fechados às mudanças e transformações necessárias, e assim sigamos:
O problema não é inventar.
É ser inventado hora após hora
e nunca ficar pronta
nossa edição convincente.
(Carlos Drummond de Andrade, 2002)

Referências
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 Endereço para correspondência: Deborah Rosária Barbosa
Rua Caraíbas, 172 - Perdizes
São Paulo/SP - CEP: 05020-000
e-mail: deborahbarbosa@yahoo.com.br
Marilene Proença Rebello de Souza Instituto de Psicologia da USP
Av. Prof. Mello Moraes 1721 - Cidade Universitária - USP - Butantã
São Paulo/SP - CEP 05508-030
e-mail: mprdsouz@usp.br


Este trabalho é fruto da tese de doutorado de Deborah Rosária Barbosa, orientado pela profa. Marilene Proença, cujo título é "Estudos para uma história da Psicologia Educacional e Escolar no Brasil", defendida em 2011 no Programa de Pós-Graduação em Psicologia Escolar e do Desenvolvimento Humano do Instituto de Psicologia da USP, e foi financiado com bolsa de doutorado do CNPq.
1 Este artigo é fruto de uma discussão realizada inicialmente na tese de doutorado intitulada Estudos para uma história da Psicologia Educacional e Escolar no Brasil, de Barbosa (2011), orientada por Marilene Proença Rebello de Souza no Programa de Pós-Graduação em Psicologia Escolar e do Desenvolvimento Humano do Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo (USP).
2 A referida tese está disponível no portal de teses da USP e foi um trabalho financiado com bolsa do CNPq.
3 Optou-se por manter as grafias das palavras como apresentadas nos textos originais consultados.
4 Muitos teóricos falam em área, campo, subárea, subcampo de conhecimento e outras formas de nomeação, como foi dito antes. Acreditamos ser mais adequado o termo "campo de conhecimento" porque entendemos que a Psicologia Educacional e Escolar, mesmo tendo se originado no interior da Psicologia, atualmente abarca conhecimentos desta e para "além" desta, a partir da sua relação com outros saberes, inclusive a Educação, as Ciências Sociais e Humanas em geral. Por outro lado, o termo "área" tem uma tradição que deve ser respeitada, desde que se compreenda esta não apenas como prática separada da teoria (ou área de atuação), mas com facetas teórico-práticas numa perspectiva práxica e dialética.