Para que possamos iniciar nosso curso de maneira madura e com
conhecimento adequado da área, vamos ler esse texto e leva-lo para discussão em
sala de aula.
Reflita sobre o papel do psicologo escolar na atualidade, seu interesse sobre esta área de atuação e quais as possibilidades de uma atuação mais ampla nos dias de hoje.
Psicologia: ciência e profissão.
Reflita sobre o papel do psicologo escolar na atualidade, seu interesse sobre esta área de atuação e quais as possibilidades de uma atuação mais ampla nos dias de hoje.
Psicologia: ciência e profissão.
versão impressa ISSN 1414-9893
Psicol. cienc. prof. v.4 n.1 Brasília 1984
O papel do psicólogo escolar
Carmem Silvia de Arruda Andalo.
Professora do Departamento de Psicologia da Universidade Federal de Santa Catarina.
A Psicologia Escolar vem sendo considerada até agora como uma área secundária da Psicologia, vista como relativamente simples, não requerendo muito preparo, nem experiência profissional. Dentro da instituição-escola é pouco valorizada, até mesmo dispensável, haja vista a inexistência de serviços dessa natureza, enquanto os de Orientação educacional e Supervisão escolar são previstos e regulamentados por lei.
Essa perspectiva, que nos parece bastante equivocada e inadequada, talvez provenha do fato de que, historicamente, a área escolar tenha-se caracterizado como um desmembramento da área clínica, o que gerou a visão de uma Psicologia Escolar clínica.
Uma outra abordagem seria a da ação preventiva da Psicologia Escolar. Prevenir significa "antecipar-se a", "evitar", "livrar-se de", "impedir que algo suceda". No contexto da escola o que se pretenderia evitar ou impedir? A existência de problemas, de dificuldades ou fracassos?
A conotação por vezes
encontrada, entretanto, parece ser a de evitar desajustes ou desadaptações do
aluno. Maria helena novaes, ao defender a importância da formação adequada do
psicólogo escolar e sua responsabilidade profissional, afirma que "dado o
caráter sobretudo preventivo da atuação do psicólogo escolar, essa orientação
(psicológica) merece tanto ou mais cuidado do que qualquer outra, pois tem como
meta principal o ajustamento do indivíduo" (1-pg.24). Caberia aqui
discutir e esclarecer a natureza de tal ajustamento.
Dada a possibilidade
de se interpretar a perspectiva de prevenção como uma questão meramente
adaptativa, é que, no presente artigo, procuramos analisar duas abordagens
frequentemente encontradas com relação ao papel do psicólogo escolar, e
propomos uma terceira alternativa, que é a deste profissional como agente
de mudanças.
O psicólogo escolar
clínico
Está implícita nessa
visão de psicologia escolar uma vinculação com a área de saúde mental, onde os
problemas são equacionados em termos de saúde x doença, o que na escola se
retraduz como problemas de ajustamento e adaptação. O que nos parece estar
subjacente, mas nem sempre claro, nessa perspectiva, é a idéia de que a escola
como instituição é tomada como adequada, como cumprindo os objetivos ideais a
que se propõe. Permanecem inquestionados, desta forma, o anacronismo dos
currículos, dos programas, das técnicas de ensino-aprendizagem empregadas, bem
como a adequação da relação professor-aluno estabelecida.
Esta é, portanto, uma
visão conservadora e adaptativa, uma vez que os problemas surgidos ficam
centrados no aluno, isto é, a responsabilidade dos insucessos e dos fracassos
recai sempre sobre o educando. O papel do psicólogo escolar seria então o
daquele profissional que tem por função tratar estes alunos-problema e
devolvê-los à sala de aula "bem ajustados".
Na medida em que os
problemas são equacionados em termos de saúde x doença, fica o papel do
psicólogo investido de um caráter onipotente, uma vez que seria o portador de
soluções mágicas e prontas para as dificuldades enfrentadas. Por outro lado,
acaba por estabelecer uma relação de assimetria, verticalidade e poder dentro
da instituição, uma vez que lhe é atribuída a decisão e o julgamento a respeito
da adequação ou inadequação das pessoas em geral. São as duas faces de uma
mesma moeda — de um lado o mágico, o salvador, e do outro, um elemento
altamente persecutório e ameaçador. Essa dupla imagem que o psicólogo adquire
ou transmite(?) Em função deste tipo de abordagem ou da sua própria postura,
leva, com freqüência, a uma atitude ambivalente e de resistência por parte da
instituição escolar, que muitas vezes dificulta ou até impede a continuidade
dos serviços de psicologia.
Uma outra
conseqüência que nos parece importante denunciar nesta visão clínica, é a de
que o professor, ao entregar o seu "aluno difícil" nas mãos de um
profissional tido como mais habilitado que ele para lidar com a questão, se
exime da sua responsabilidade para com este aluno. Passa então a considerá-lo
como um problema que não é seu e que deveria ser solucionado fora do contexto
de sala de aula, que é o seu ambiente de trabalho, a saber, no gabinete de
psicologia. Na realidade, porém, a criança que apresenta dificuldades, mesmo
quando atendida por outros profissionais, enquanto aluna continua sendo
problema do professor e da sua turma e como tal deve ser assumida.
É também frequente,
no trabalho clínico dentro da escola, o uso de testes variados, desde as
tradicionais medidas de qi até provas de personalidade, com elaboração de
diagnósticos e orientação bastante minuciosas e aprofundadas. Ocorre,
entretanto, que este trabalho todo se torna infrutífero e sem sentido, pois é
comum as famílias se recusarem a aceitar a orientação, preferindo atribuir as
causas do insucesso escolar à própria instituição, que é então acusada de
ineficiente. É evidente que, ao buscar uma orientação psicológica, todo cliente
passa por um processo, frequentemente longo e ambivalente, de lidar e aceitar
as suas próprias dificuldades ou deficiências. Ora, na medida em que a escola
toma a iniciativa de realizar esse processo, através do serviço de psicologia,
sem uma conscientização gradativa e espontânea da família a respeito do seu
filho-problema, o resultado deverá ser ou um recusa de colaborar até mesmo na
fase inicial de diagnóstico, ou uma rejeição clara e aberta da orientação
oferecida.
Uma outra dificuldade
é a de os dados obtidos através de exames psicológicos nem sempre revertem para
a escola sob forma de orientações concretas e acessíveis. Num congresso sobre
pré-escolas, realizado em julho de 1983, promovido pela secretaria da educação
do estado de são paulo, na cidade de são josé do rio preto, do qual
participamos, recebemos veementes queixas de professores de qe, sob o pretexto
de sigilo sobre os resultados dos testes psicológicos aplicados em seus alunos,
só passíveis de serem manipulados por psicólogos, as escolas ficavam
praticamente sem nenhuma informação a respeito dos exames realizados.
Lyons e powers
relatam que num estudo longitudinal com crianças de nível primário dispensadas
do sistema escolar de uma grande cidade norte-americana por problemas de comportamento,
foram avaliadas as contribuições dos psicólogos da seguinte forma: "embora
263 escolas registrassem que o estudo psicológico havia sido de alguma forma
útil aos pais e/ou professores, 144 escolas registraram que ele não tinha
ajudado. Apenas uma escola deu uma razão para este fato, afirmando que o estudo
psicológico era muito limitado."
Um outro impasse
comumente enfrentado com relação aos exames psicológicos é o da dificuldade de
se encontrar, em nosso meio, instituições que possibilitem a concretização das
orientações dadas, de forma economicamente acessível à maioria da nossa
população escolar. Desta maneira, o diagnóstico e a orientação realizados
perdem a sua utilidade e portanto o seu sentido.
Um outro aspecto a se
questionar é a instalação de serviços de atendimento psicológico dentro da
instituição-escola, com a intenção de oferecer psicoterapia para os portadores
de distúrbios emocionais e de conduta e psicomotricidade para aqueles que
apresentassem deficiências de ordem motora. Com relação à primeira hipótese,
acreditamos ser totalmente inviável a sua realização dentro do contexto escolar
por duas razões fundamentais:
1. Como tal
tipo de tratamento fica ligado, pelo senso comum, à doença mental, corre-se o
sério risco de discriminar e estigmatizar aqueles alunos que se beneficiassem
desta forma de assistência;
2. Como a escola
é uma organização complexa, onde a privacidade é bastante restrita por ser um
grupo onde as pessoas convivem por longo tempo, diariamente por várias horas e
durante anos, fica muito comprometida a questão de sigilo, não por parte do
profissional, evidentemente, mas por parte dos próprios alunos.
Com relação à
psicomotricidade, visando atingir principalmente as populações de baixa renda,
que não têm acesso a terapêuticas desta natureza, tem-se pensado num trabalho
integrado com a área de educação física, no sentido de incluir, nessas aulas,
exercícios de equilíbrio, coordenação motora ampla etc. Com relação aos
aspectos de motricidade fina, a montagem de pequenos grupos de atendimento
paralelo talvez pudesse ser levada a efeito dentro do próprio ambiente da
escola.
Num nível mais
sofisticado, a abordagem clínica pode transformar-se numa consultoria de saúde
mental, com o enfoque básico voltado para a prevenção já mencionada no início
deste trabalho. O psicólogo não se restringiria apenas à aplicação de testes e
à realização de terapia dentro do contexto escolar, mas pretenderia
"difundir a saúde mental, procurando alcançar um maior número possível de
pais, administradores e professores, que por sua vez atingem o maior número
possível de crianças".
O psicólogo escolar
agente de mudanças
Uma outra alternativa
que nos parece mais adequada e que não exclui, pelo contrário, se beneficia das
contribuições da psicologia clínica e da psicologia acadêmica, seria a do
psicólogo escolar como agente de mudanças dentro da instituição-escola, onde
funcionaria como um elemento catalizador de reflexões, um conscientizador dos
papéis representados pelos vários grupos que compõem a instituição.
Nessa perspectiva
precisa-se, ao contrário do que se colocou no início deste texto, de um
profissional experimentado, com preparo amplo e diversificado, uma vez que a
psicologia escolar é então encarada como uma área de intersecção entre a
psicologia clínica e a psicologia organizacional, por trabalhar e lidar com uma
instituição social complexa, hierarquizada, resistende à mudança e que reflete
a organização social como um todo. Nessa perspectiva é importante considerar o
indivíduo sem perder de vista, entretanto, sua inserção no contexto mais amplo
da organização.
Um trabalho eficiente
nessa linha teria que partir de uma análise da instituição, levando em conta o
meio social no qual se encontra e o tipo de clientela que atende, bem como os
vários grupos que a compõem, sua hierarquização, suas relações de poder,
passando pela análise da filosofia específica que a norteia, e chegando até a
política educacional mais ampla.
Em nosso trabalho
prático junto às escolas, iniciamos geralmente por um levantamento da
instituição onde pretendemos atuar. Procuramos caracterizá-la em seus aspectos
organizacionais, tentamos detectar a ideologia subjacente aos objetivos
expressos ou implícitos que a instituição contém. Começamos, assim, por um
diagnóstico da realidade da escola e, a partir daí, planejamos nossa ação.
Temos procurado atuar
junto ao corpo docente e discente, bem como junto à direção e à equipe técnica,
tentando conscientizá-los da realidade da sua escola, refletindo com eles sobre
os seus objetivos, sobre a concepção que subjaz ao processo educacional
empregado, sobre as expectativas que têm de seus alunos, sobre o tipo de
relação professor-aluno existente, enfim sobre a organização como um todo.
As queixas básicas
comumente encontradas junto à instituição-escola referem-se à dispersividade e
desatenção, desinteresse, apatia, agitação, baixo rendimento e fraco nível de
aprendizagem, rebeldia e agressividade, bem como dificuldades na relação
professor-aluno e entre os próprios educandos. Tais problemas têm aparecido na
forma mais ou menos intensa em todos os graus, o que vem caracterizar uma crise
aguda e profunda pela qual a instituição vem passando.
A tendência geral da
escola é centrar as causas de tais dificuldades nos alunos. As medidas que vêm
sendo utilizadas para tentar resolvê-las ou contorná-las resumem-se basicamente
em:
1.
Encaminhar os "casos-problema" ao serviço de orientação educacional
ou ao serviço de psicologia, como se os profissionais destas áreas tivessem
soluções mágicas e prontas para tais casos;
2. Criar
mecanismos de controle cada vez mais rígidos e repressivos sobre o
comportamento dos educandos através de inspetores de aluno, comunicações aos
pais, reduções nas notas, multiplicação das avaliações etc.
Com relação aos
serviços de orientação educacional, com exceções evidentemente, temos observado
alguns aspectos:
A. Não conseguem
dar vazão ao crescente número de casos difíceis encaminhados;
B. Buscam
contatos com os pais, numa tentativa, na maioria das vezes infrutífera, de transferir
a resolução dos problemas para o âmbito familiar;
C. Desenvolvem
trabalhos junto ao corpo discente através de aulas tradicionais onde são
desenvolvidos temas, com uma conotação quase sempre de caráter moral,
discorrendo sobre a necessidade de "comportar-se bem, ser bom aluno, bom
filho" etc., numa tentativa de fazer com que os educandos venham a
preencher as expectativas que a instituição, especialmente os professores, têm
deles.
Em nosso trabalho
como psicólogos escolares, nessa perspectiva de agente de mudanças, temo-nos
voltado basicamente para a constituição de grupos operativos com alunos,
professores e equipe técnica, no sentido de encaminhar uma reflexão crítica
sobre a instituição, incluindo o processo de ensino-aprendizagem, a relação
professor-aluno, as mudanças sociais que estão ocorrendo, evidenciando com
isso, a defasagem cada vez maior que se estabelece entre a escola e a vida.
Dessa maneira, procuramos desfocar a atenção sobre o aluno como única fonte de
dificuldades, como o único responsável e culpado pela crise geral pela qual a
escola passa, propiciando uma visão mais global e mais compreensiva desta
crise, procurando considerar todos os seus aspectos e, conjuntamente, encontrar
formas alternativas de enfrentá-la.
Parece-nos importante
esclarecer que não excluímos nessa abordagem pesquisas voltadas para os
processos dos indivíduos, pois de fato encontramos inúmeros casos onde as
dificuldades encontradas são do próprio aluno e não da instituição. Tais casos
necessitam de um enfoque mais clínico, que, quando se faz necessário, é levado
a efeito, sem entretanto, perder-se de vista o aspecto institucional da
questão.
Da oportunidade que
temos tido de atuar na área de psicologia escolar, esta vem-se configurando
como um campo de ação extremamente rico, porém inexplorado, desvalorizado e até
mesmo pouco conhecido, não só dentro das escolas, mas também dentro da própria
categoria de psicólogos. O papel do psicólogo escolar acha-se portanto, mal
delimitado e mal definido, e o que pretendemos aqui, com essas primeiras
anotações, é encaminhar e aprofundar a discussão sobre esse tema.
Bibliografia
Novaes, m. H. -
psicologia escolar. Petrópolis. Vozes ed. 1980.
Patto, h. S. -
introdução à psicologia escolar. São paulo. Queiroz ed. 1981.
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